quinta-feira, 18 de maio de 2017

Noções e Conceituações sobre o Tempo

Noções e Conceituações sobre o Tempo
“O tempo é equação humana que emana da existência
 tal qual a própria existência. Por ele se mede, se pensa e se entende o existir”

A Filosofia nos possibilita a oportunidade para pensarmos a respeito das estruturas que amoldam e condicionam o nosso pensar e o nosso existir, e muito para além de reflexões vazias ou que visem somente avaliações, notas e vestibulares; podemos tirar proveito para a vida, como saber prático realizador de novas consciências e como ferramenta para novas existências. Analisemos aqui alguns conceitos já elaborados sobre o tempo, sua formação e composição.
O que é o tempo? O tempo é elemento físico e cultural, regulador da vida humana. É acontecimento físico e psicológico/cognitivo, podemos defini-lo, mas nossa definição está sujeita a ele, e do momento que começamos a enuncia-lo até o momento que o enunciamos, ele já avançou sobre nós e modificou nossa condição em si. Então, como definir ou entender o tempo, visto que ele escapa no tempo quando tento o entender, e se modifica ininterruptamente, escapando aos meus sentidos e percepção?  
O tempo cósmico (histórico) é calculado matematicamente sobre o movimento de rotação da terra em torno do sol e de si mesma. É um tempo físico, matemático. Não existe no universo, não existe no planeta, ele existe no homem, existe como construção cognitiva compreensiva dos sucessivos acontecimentos no mundo. Tempo cósmico é a medida de espaço em equação com os acontecimentos nesse espaço. Ele não existe no mundo, mas existe na compreensão do mundo. Fosse outro nosso planeta (Jupiter demora 11 anos e Saturno 29 anos para dar a volta no sol), seria outra nossa compreensão de tempo e mundo. Assim, o tempo é sujeição dos sentidos e pensamento a realidade material e espacial que nos envolve.
Já para outros teóricos filosóficos o tempo tem outras concepções. Para Santo Agostinho (354-430 d.c.) “o tempo é aquilo que escapa”; “é aquilo que sei, mas se me perguntar não sei”. O conceito é de que podemos experimentar o tempo, não dizer o que ele é. Tempo seria experiência eterna (sem tempo) existe na alma, pois não encontramos o tempo no mundo, projetamos o tempo no mundo. Assim o tempo é uma construção do intelecto que o projeta sobre o mundo para entender a transformação do próprio mundo. Sem o tempo não teríamos tempo para entender o tempo, como fazemos agora.
Outra reflexão que Santo Agostinho faz sobre o tempo na sua obra Confissões livro XI, é a do conceito de tempo como realidade sempre presente que se direciona pelo presente já vivido (presente do passado) e do presente por viver (presente do futuro). Então temos que o presente seja a percepção do que acontece no agora e o passado seja as lembranças em mim do presente que se passou e o futuro seja as expectativas/esperanças que tenho no presente de um presente que ainda não aconteceu. E viver é, equacionar esses tempos no ser para entender o próprio ser do ser. O tempo é, portanto, a distensão dos movimentos (de ir e vir) da alma humana. À vida é um tempo só, um agora: passado, presente e futuro são modulações de um presente absoluto: presente das coisas passadas, presente das coisas presentes, presente das coisas futuras. Como diz Santo Agostinho: “a memória reproduz não as coisas em si, já passadas (pois o tempo passado já não é), mas as palavras nascidas das imagens destas, que ao passar se fixaram na alma, mediante os sentidos, quais vestígios”. Só podemos prever o futuro a partir da lembrança presente das coisas passadas: são as imagens contidas na memória e não as coisas futuras elas próprias (que ainda não são) que me permitem prever o futuro. Porque o tempo existe no homem, e nunca fora do homem “Medimos as impressões que permanecem no espírito depois da passagem do tempo, e não as coisas que passam” Em Agostinho, o futuro sopra em direção ao passado em função de uma alma que age.
Outro filósofo que refletiu sobre o tema e nos deixou sua contribuição sobre o tempo foi Henri Bérgson (1859-1941), em sua concepção o que nós chamamos de tempo é o processo de transformação da realidade. O tempo é a transformação que percebemos no mundo e em nós, e assim se determina como sensório motor, visto que é uma combinação de sensações e movimentos, e por se apresentar assim ele se torna em nós como aquele em que as coisas/acontecimentos/realidades existem e depois não existem mais. Para Bérgson pensamos o tempo como existência ou existencial, visto que somos seres de memórias, somos uma formação de pensamentos em predominância no passado (memórias) de realidades vividas e ao mesmo tempo, ou a memória restante, projetamos pensamentos (memórias projetivas) sobre o futuro, assim a existência é repetir o bem do passado e evitar o mal do passado. Temos em nós mais passado do que presente, assim vivemos o presente e percebemos as coisas por memórias do passado, que se torna o fundamento do existir. Bérgson ainda nos dirá que a tecnologia acelerou a nossa percepção do tempo, a vida passa mais rápido (lembrando que o tempo é a percepção que temos da passagem de uma realidade para outra). E por fim, segundo ele, a consciência da transitoriedade da temporalidade de todas as coisas e de nós mesmos é aquilo que nos dignifica como ser. Aqui temos um aprendizado da filosofia contemporânea, em que a condição existencial do homem é definida por ele mesmo. Bérgson dirá que nessa percepção de temporalidade transitória temos “Liberdade para enfrentar o Destino” e definir em nós mesmos o desenrolar do tempo como uma coisa/acontecimento interno sobre nossa jurisdição.
Já Wilhelm Friedrich Nietzsche (1844-1900) tematizou sobre o tempo em uma temática mais prático existencial, Nietzsche era um filósofo vitalista (à vida é critério para viver à vida), ao escrever sobre “O mito do eterno retorno” que formulou a partir do pensamento estoico de que o universo é a repetição de todas as coisas (a realidade e todas as coisas nele sempre retornam) ele tematiza a vida como uma série sucessiva de repetição das mesmas coisas, mesmas realidades, mesmos acontecimentos. Por isso o tempo se apresenta como eternidade imanente a vida (o que é eterno não é a vida, nem o tempo, eterno são os instantes que se vive na vida), eterno retorno e método existencial de adequar à vida a si mesma enquanto se a vive. É saber o que apetece e viver pelo que apetece, em Assim falava Zarastruta, o profeta diz: “se apetecer esforçar, esforça-te; se apetecer repousar; repousa-te”.
 O tempo é aquele em que se vive, é um instante de vida que não acaba, a vida é o instante do tempo e o que se vive se vive eternamente. O eterno retorno é critério temporal de avaliação da vida que está na vida, a vida vira critério existencial de avaliação da própria vida. Por isso ele questionava seus interlocutores: você escolheu essa vida ou foi escolhido por ela, amou essa vida ou a lamentou? Segundo Nietzsche, na vida nada é apetecível em si, se é apetecível é apetecível no ser, apetecível no instante em que vive o instante. A plateia desse momento de vida é você sozinho (que assiste a si mesmo e suas pulsões existenciais), essa é a eternidade. O decisivo não é sua validade ou verdade enquanto teoria, mas sim, seu valor enquanto fórmula da mais alta afirmação da vida e como instrumento necessário de seleção da melhor das vidas. Seria preciso, então, viver cada momento de modo que se quisesse segui-lo, vivendo o infinitas vezes. A implicação mais importante da doutrina do eterno retorno, pois, é essa nova compreensão que representa o vínculo necessário entre o indivíduo e a totalidade da vida, ou seja, entre tempo subjetivo e tempo objetivo. Sentimos a eternidade da vida afirmando-se a si mesma no instante em que identificamo-nos com ela ao fazer dela instantes contínuos de realização da própria potência vital.
Afim de permitir a reflexão sobre o tempo como uma extensão existencial e continua, Nietzsche colocará na boca do profeta (Assim Falava Zarastruta) a seguinte proposição:

"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?". A vida que vale a pena é aquela que se deseja que se repita inúmeras e inúmeras vezes nos instantes de vida, no tempo presente sempre existente, no tempo da alma, na possibilidade da potência de si despejada no mundo.