O Bom Preconceito: o preconceito de se ter preconceitos
Esse texto tem por intenção
dialogar e expandir o tema do preconceito e suas múltiplas e paradoxais
questões complicadoras do seu entendimento e abordagem. Usarei como referência
central o texto/livro Em Defesa do
Preconceito de Theodore Dalrymple, onde ele amplia a discussão do tema e
lança luzes sobre o mesmo, e nos desafia a enfrentar esse tema tão arguto e
complicado, e que nos convida a enfrentar nossos próprios preconceitos, o ato
mais difícil de se executar.
A primeira coisa que precisamos
pensar é que o nosso norte passou a ser não ter preconceito nenhum. A ideia é
de que sem preconceitos conviver é melhor, mas a ideia de que sem preconceito é
melhor, é contraditória em si, visto que é preciso um pré-conceito para fazer
isso. A conclusão de que sem preconceito temos uma convivência e existência
mais livre e potencialmente melhor é contraditória, pois faz isso ser um
preconceito. Também temos o ceticismo metafisico (nulidade dos valores ideais),
que consiste em avaliar as implicações que determinam negativamente a forma
de decidir e conduzir à vida (negando-a). Porém esse ceticismo é uma armadilha, pois não avalia
tudo, mas o que lhe convém. Avalia a partir dos próprios pressupostos não
metafísicos, e assim não é cético, é seletivo. O estudo da história está
sujeito ao pesquisador da história, e, esse estudo nos diz aquilo que queremos
ouvir. Usamos a história para validar a nós mesmos ou o que esperamos
encontrar ao pesquisar (os preconceitos já existentes). O estudo/pesquisa é uma
reprodução do mundo, e tendemos a negativar o passado para legitimar o presente
e produzir um preconceito validador do futuro. Olhando isso por uma corrente
materialista podemos dizer que somos átomos morais a nos mover no vácuo, o que
significa dizer que somos matéria/células/órgãos que apreende o mundo e
atribuem valores a ele e que faz desses valores seus preconceitos para se
relacionar com ele e com tudo que envolva sua existência nele.
Em todos os meios sociais (mídia,
família, escola) temos visto a prática de uma pedagogia dita não preconceituosa,
que significa não limitar a criança, não impor obstáculos ao seu
desenvolvimento. Só que o que se ignora é que liberar a criança é não permitir
a ela uma reflexão racional e sensata sobre o porquê de tudo ser como é, e não
limitar, instruir, controlar, direcionar é castrar (limitar seu
desenvolvimento). A criança não está livre de preconceitos apenas porque ficou
livre dos preconceitos de seus pais, ela se tornará escrava de seus próprios
preconceitos, e o pior é que esses preconceitos serão construídos sem
orientação, sem a prática da vivência e experiência dos mais velhos. É preciso
entender que a abstenção de se incutir preconceitos é geradora de efeitos muito
piores do que fazê-los, ainda que fossem ou sejam feitos de maneira
agressiva ou irracional, o fato de serem feitos é melhor do que não o serem. É
preciso entender que o solo que sustenta o preconceito será sempre necessário,
ainda que o preconceito seja alterado, para andar sobre o chão é
preconceituosamente que se anda, e assim, o ideal é que haja consciência disso,
que haja consciência para fazer isso.
Para prosseguir com a reflexão é
preciso fazer uma definição do que seja Preconceito e quais as suas possíveis
extensões. Uma compreensão geral de preconceito é entende-lo como um
comportamento automático, um agir que de tão praticado se torna um hábito.
Preconceitos (práticas de vida) são bons e maus, e se intercalam na história,
não há convivência sem preconceitos. Preconceitos
são noções orientadoras do agir que de tão práticas e praticadas se tornam em
um jeito natural de ser e de agir. Temos como exemplo que há duas décadas o
casamento era obrigatório em caso de gravidez precoce, tanto por parte dos pais
da moça como pelos pais do rapaz, é fácil verificar que em nossos dias já não é
mais assim. temos também que há 30 anos atrás as pessoas fumavam dentro de casa ou de qualquer outro estabelecimento (mercado, bar, restaurante, trabalho).
Se você tomar a compreensão do último
parágrafo como referência poderá refletir comigo que na verdade não lutamos
contra um preconceito qualquer, solto por ai. Nossa busca é de legitimar os
nossos preconceitos em detrimento de outros preconceitos que possam colocar os
nossos em risco, em conflito ou em deterioração.
Uma consequência direta da luta
mundial contra o preconceito, todo e qualquer tipo de preconceito, foi a
conversão do convencional em transgressor, a tradição (que é preconceito) familiar,
social e cultural se tornaram em modelos não positivos de convivência. O
preconceito afirmativo agora é ser transgressor (criar regras que se adequem a
própria personalidade, desejos e interesses do individuo), e transgredir o convencional é
agir positivamente, só que “o desejo de se furtar a uma convenção é, em si
mesmo, uma convenção”, e na busca de se fugir do gato corre-se junto com o rato.
Toda escolha é o resultado de uma produção conceitual, mas não basta a racionalização
de conceitos. Pois a racionalidade não é o único componente necessário para a
formulação de conceitos e pré-conceitos. Se as escolhas forem supremamente
racionais perderão o poder real dos seus efeitos, visto que a racionalidade por
si só não é suficiente, não é competente, não dá conta do humano e de toda a
sua complexidade existencial; além de ser, a racionalidade, uma prática sempre
tendente ao egocentrismo e preconceitos individualizantes.
Preconceitos são preceitos,
conceitos e valores norteadores do próprio pensar, sentir e agir. Eles antecedem
estes três em suas manifestações. Dito isto, temos que pensar uma outra questão
da produção de conhecimento. Por mais racional que seja o conhecimento, e que
esteja estabelecido como verdadeiro, é preciso uma autoridade (saber
comprovado e saber autorizador) para que o mesmo se torne uma referência
conceitual. O postulado contemporâneo de que todas as opiniões são válidas invalida
o conceito racional/científico de produção do saber. A armadilha de nossa época
“a busca de verdades em detrimento do convencional” na negação do que foi
estabelecido pela tradição (tida como arcaica, opressora e preconceituosa), se contradiz, pois nega a tradição o direito de ser um um preconceito valido. A
consequência direta dessa atitude são as construções sem alicerces.
Preconceitos que surgem tendo como referência o sujeito que os preconiza. Isso faz parte do advento do individualismo racional, o indivíduo usa a filosofia para legitimar e legalizar o seu querer. O desejo pessoal se sobrepõe a qualquer outro, o preconceito é elaborado no e pelo indivíduo (singular), tudo que o contrarie é perverso. O mal é tudo ou todo que contrarie os preconceitos subjacentes no ser. Portanto, vale perguntar: Como criar uma comum-unidade se os princípios primeiros, gerais e sociais são autos de tudo, são determinações pessoais? O decente é agora de cunho singular, fruto de uma racionalidade prática e não de uma racionalidade racional ou racionalidade social/convencional.
O direito a todos com direito gera um paradoxo de direitos, visto que os direitos se fazem deveres que se excluem na possibilidade de realização de direito a todos. Como sustentar a máxima “Quero, portanto, tenho direito” para todos? Quanto mais radical o individualismo, mais paradoxal, e quanto mais presente, maior a sua autoridade sobre o querer e o ser do indivíduo. A falta de autoridades intermediárias, tais como a família, a igreja ou a escola pode a até prevenir de alguns males potenciais presentes nessas instituições, contudo, sua exclusão abre espaço para outras estruturas que veem para substituir e estabelecer novas, as quais desconhecemos e não podemos prever suas consequências. O que não significa que serão negativas, e certamente não serão totalmente positivas.
Preconceitos que surgem tendo como referência o sujeito que os preconiza. Isso faz parte do advento do individualismo racional, o indivíduo usa a filosofia para legitimar e legalizar o seu querer. O desejo pessoal se sobrepõe a qualquer outro, o preconceito é elaborado no e pelo indivíduo (singular), tudo que o contrarie é perverso. O mal é tudo ou todo que contrarie os preconceitos subjacentes no ser. Portanto, vale perguntar: Como criar uma comum-unidade se os princípios primeiros, gerais e sociais são autos de tudo, são determinações pessoais? O decente é agora de cunho singular, fruto de uma racionalidade prática e não de uma racionalidade racional ou racionalidade social/convencional.
O direito a todos com direito gera um paradoxo de direitos, visto que os direitos se fazem deveres que se excluem na possibilidade de realização de direito a todos. Como sustentar a máxima “Quero, portanto, tenho direito” para todos? Quanto mais radical o individualismo, mais paradoxal, e quanto mais presente, maior a sua autoridade sobre o querer e o ser do indivíduo. A falta de autoridades intermediárias, tais como a família, a igreja ou a escola pode a até prevenir de alguns males potenciais presentes nessas instituições, contudo, sua exclusão abre espaço para outras estruturas que veem para substituir e estabelecer novas, as quais desconhecemos e não podemos prever suas consequências. O que não significa que serão negativas, e certamente não serão totalmente positivas.
O fato histórico potencializador
dessas transformações conceituais é o de que por ser certas discriminações absolutamente negativas (como
por exemplo o preconceito racial e preconceito contra a mulher), não deveria significar dizer que todas discriminações sejam ruins. Discriminar é
eleger/preferir/optar, e isso nos possibilita um aprimoramento existencial. É
preciso trilhar esse caminho humano que nos humaniza. Sem discriminação de
qualquer tipo, qualquer tipo de ação (como estupro e pedofilia) seriam válidos.
A rejeição do preconceito não é boa em si mesma. A rejeição do negativo não é
positiva. O reconhecimento da condição humana (boa e má) e o que se faz a
partir disso que determina se o rejeitar é positivo. Filosofar é construir o
pensar, é construir o saber, é decidir racionalmente (não somente) na
convivência quais as ampliações e quais as limitações para a mesma. Isso é
simples de justificar. A mente humana é uma formação cognitiva condicionada e
estruturada ao seu meio de pertencimento. Logo, as suas determinações são
determinadas por seu lugar de pertencimento, e, logo, os preconceitos que as
envolvem ao mesmo tempo a determinam. Assim, a noção de verdade está subjugada
as pressuposições e preconceitos do lugar onde é emitida. E, por isso, construir
modelos sociais e vivenciais sem preconceitos se faz em preconceitos que
afirmam não existir preconceitos. Não reconhecer autoridade é, levado a
consequências extremas, não reconhecer a si. Pois subjugar o poder por seu mau
uso é deslegitimar a condição existencial que permite fazer a análise. E em última
instancia é colocar a si mesmo como a maior e mais absoluta autoridade. O que
nos leva não a negar a autoridade, e sim legitimá-la somente a partir de si. A
completa rejeição da autoridade[1] (qualquer
uma) é egoísmo. Na matriz da convivência social (formatada em preconceitos) há
positividades inerentes ao convívio humano, se se nega essa matriz a
convivência se sujeita ao indivíduo, o que não é positivo para a sociedade.
Seus preconceitos são para si mesmo, em favor de si, jamais do todo, visto
que nega a autoridade e benevolência da convivência com o outro.
Há terríveis efeitos sociais ao
se abandonar certos preconceitos. A escolha é sempre livre, até que se esteja
(inconscientemente) preso a predisposições de gosto/preferência/interesse. A
liberdade escoa quando abdicamos do próprio ato de escolher e suas motivações. No
fundo queremos liberdade para nós e encarceramento do outro (de preferência em
nós). O melhor dos mundos é o que eu tudo posso e o outro é o meio/caminho para
eu tudo poder no meu querer. Algo é o que é porque alguém ou uma autoridade (pessoa
ou não), o determinou. Todos os “algos” foram assim constituídos. Se negarmos a
autoridade, negamos junto a validade de todas as coisas, inclusive qualquer que
se dispõem em questionar a autoridade faz com que autoridade? Ao estruturar um
pensamento que desvalida qualquer estrutura como sendo válida, faz se dessa
construção uma contra estrutura, logo uma validação intelectual daquilo que se
busca desvalidar. Como o exercício do julgamento (preconceitos) é inevitável,
os preconceitos são necessários e salutares. Até porque sem preconceito não há
virtudes. Não podemos despir-nos do que o mundo nos deu, perceber um nu só é
possível por termos vestido nos com o mundo. Qual critério moral usamos para
definir algo como bom ou ruim; o critério é preconceito e sem preconceito não é
possível definir o melhor. Assim, é preciso aprender a ser preconceituoso. Ser
preconceito não é pensar ou agir com preconceito (racial, gênero, econômico ou
social), mas é saber que o preconceito é uma condição existencial humana e
modela seu pensar, sentir e querer. Por isso precisa ser pensado como uma
condição sine qua non que precisa ser percebida e aperfeiçoada na prática
existencial humana. O preconceito é necessário para a manutenção da mais
elementar decência, que foi estabelecida preconceituosamente com consciência e intenção
de assim o fazer. Assim, livre-se das conotações negativas da palavra
preconceito, e viva sem preconceitos de se ter preconceitos que gerem
preconceitos melhoradores da existência e convivência humana. Encerro o texto
com a citação de um trecho do livro referência desse texto:
“É preciso ter capacidade de discernimento para saber quando um
preconceito deve ser mantido e quando deve ser abandonado. Os preconceitos são
como amizades: devem ser mantidos em bom estado. Por vezes os amigos se
distanciam, e por vezes o mesmo deve acontecer aos homens diante de certos
preconceitos; mas a amizade frequentemente se aprofunda com a idade e a
experiência, e o mesmo deve acontecer com alguns preconceitos. Eles são aquilo
que dão caráter as pessoas, mantendo-as juntas. Não podemos viver sem eles.”
[1]
A importância da autoridade está em se pensar em ter que confiar em uma pessoa
que não está habilitada para realizar uma atividade em seu favor. Como pilotar
um avião, fazer uma cirurgia do coração, educar seus filhos. É a autoridade que
regimenta e capacita a preparação e instrução da correta execução.