A Linguagem e o
Pensamento
O ato de pensar é tão
natural como o ato de respirar, e, normalmente fazemos os dois sem consciência
de realiza-los. O que sugiro é que pensar é tão ou mais importante que
respirar, pois para se saber que se respira é preciso pensar. Logo, o
pensamento é uma constituição natural e primordial ao humano, mesmo que esse
pensamento não tenha consciência de estar pensando. O pensamento é um resultado
direto, indireto, paradoxal e complexo da existência já inserida no mundo[1]
e suas possibilidades de linguagem, no organismo humano e suas possibilidades
de percepção e construção do mundo. O que nos leva a linguagem como um emolduramento
simbólico do mundo fora de nós e do mundo dentro de nós para expressar para nós
mesmos e para os outros. A linguagem é início, meio e fim do processo
filosófico. Como no quadro de René Magritte em que desenha com um cachimbo e
nomeia a obra como “isto não é um
cachimbo”, criando um contraponto linguístico e simbólico com sua
obra.
A linguagem é o
instrumento para reconhecimento e conhecimento de um
saber/entender/compreender. Logo, é a linguagem que estrutura e formata esse
saber. A linguagem (por exemplo a matemática) é em si um construto de saberes e
conceitos que se tornam independentes de seus construtores e que também são
referências cognitivas para eles. Pois a comunicação (linguagem representativa)
de um pensamento me permite ir além dele para através dele fazer novas
descobertas sobre ele ou com ele. A imagem de uma borboleta prende a minha
representação há uma borboleta singular, mas a palavra borboleta me permite
pensar em todas as borboletas de uma vez, ou, representar a borboleta para o
que não é borboleta (jogos de linguagem).
A discussão filosófica
é de que o pensamento existe mesmo que não haja consciência de pensamento (em
um bebê, por exemplo), mas é a linguagem o canal de representação para si e
para o mundo desses pensamentos. Como seria possível pensar sem estabelecer
signos, símbolos ou imagens sobre o pensamento. Como eu poderia informar para a
pessoa a quem amo do meu sentimento sem um instrumento linguístico/representativo
que seja perceptível e compreensível por ela. Não posso transferir o sentimento
para o ser da pessoa amada, logo a relação entre nós será de busca de
demonstração e compreensão linguística (beijo, abraço, carinho, palavras,
flores, música) dos sentimentos latentes no meu ser.
A linguagem se
estrutura em nossa possibilidade de pensar que se estrutura em nossas
possibilidades biológicas e fisiológicas de perceber o mundo. Temos uma
estrutura de possibilidades cognitivas (Kant) que delimitam nossa percepção e
enquadramento do mundo a partir do qual construímos uma linguagem
representativa dele e de nós mesmos. As imagens e representações que elaboramos
tem a ver com nossas possibilidades fisiológicas e biológicas de percepção da
realidade, tivéssemos nós outros recursos para percepção e construção da
realidade, certamente a enquadraríamos de diferentes maneiras. E, isso não fala
só da nossa ação de olhar e representar o mundo, mas, também, das ferramentas
(que tiramos do mundo) que utilizamos para fazermos isso. Imagina que o ser
humano fosse um ser aquático, que vivesse nos mares, por certo teria outras representações
linguísticas de compreensão e explicação do mundo. Logo, a linguagem é resultado
de uma conjuntura de fatores (mundo, fisiologia, biologia, intelecção) que
determinam a construção do pensar e as representações desse pensar.
É muito válido nos
perguntarmos se: “Nós entramos no mundo, ou o mundo entra em nós pela linguagem?
”. Wittgenstein dirá que o que eu tenho não é o mundo, mas a minha captação e
compreensão do mundo segundo os meus recursos linguísticos construídos da minha
captação do mundo. Fossem os recursos outros, outra seria minha captação e
outros seriam meus recursos linguísticos e outro seria o mundo. Não podemos ignorar
que a linguagem ganha representações que transcendem a materialidade criadora e
ganha autonomia representativa de realidades existentes ou não, que são jogos
de linguagem (manga de camisa, manga fruta, manga de zoar alguém ou a mandioca
que é mandioca, aipim e macaxera). Para Wittgeinstein precisaríamos sair do
mundo (a realidade que o estrutura) para falar sobre ele, pois por estarmos
inseridos nele usamos as influências e construções dele sobre nós para falar
dele, ou seja, por estarmos condicionados as estruturas dele ficamos limitados
há essas estruturas para pensar. O mundo nos dá ou nos possibilita uma
linguagem que usamos para falar dele e de nós nele, assim, nossas
possibilidades de mundo estão no mundo, seria como querer definir um ovo
estando condicionados a realidade do interior do ovo, sem interação ao seu
exterior e de outras possibilidades de percepção e linguagem. Logo, o que
Witggenstein postula é que a linguagem mesmo que sendo transcendente as nossas
possibilidades representativas e linguísticas, ainda é uma linguagem
condicionada ao mundo e as nossas possibilidades nesse mesmo mundo. Responderia
à pergunta dizendo que nós entramos no mundo, mas é o mundo e suas
possibilidades que nos estrutura para perceber e reconhecer a entrada dele e
suas estruturas em nós.
Como já fora dito, nós
entramos no mundo pela linguagem (fazemos o mundo saber o que há em nós), assim
as palavras[2] –
signos e símbolos – são ferramentas de representação do que vemos no mundo e
como isso é no subjetivo de cada um. Um daltônico vê o mundo de maneira
diferente do que a maioria, isso não significa que ele vê errado, e sim que a
linguagem e as cores com que ele representa subjetivamente as coisas são
diferentes. O daltônico vê o verde/vermelho/marrom, só que ele vê em uma
configuração diferente e representa de maneira diferente. Isso nos leva a
reflexão de que a experiência do mundo é anterior a representação da experiência
do mundo, e que essa representação precisará de uma linguagem que conceitue a experiência
para si e para os outros. Imagine que você veja um objeto pela primeira vez na
vida (uma pedra, por exemplo) para conhece-lo precisa transportar o que vê para
dentro de sua consciência e criar para si uma representação dele em si
(quadrado/redondo/sólido/cinza/vermelho/pequeno/grande). Então, o que eu digo
sobre uma coisa qualquer, tem a ver menos com ela e muito mais com a representação
dela em mim e com a representação dela no meu interlocutor, logo, se não compartilharmos
da mesma linguagem ou da mesma percepção, a comunicação poderá não ser possível
ou não será exata.
A linguagem não é
subjetiva, embora se torne, ela é intersubjetiva, ela apresenta e representa o
mundo subjetivamente e depois o transcende. Uma pedra só é uma pedra após ser
um fenômeno (de modo sensível) percebido por uma linguagem que a represente
para si e que tenha sentido para os outros. Então, a representação do mundo, e,
também o entendimento dele, é realizado por meio dos jogos de linguagens, que
de modo simples faça o sólido ter o mesmo significado e representação para todos.
Wittgensttein descreveu que a linguagem não é só um instrumento de descrição do
mundo, pois embora ela seja uma ferramenta, ao ser apropriada intelectivamente,
ela ganha significados próprios e autônomos as suas origens e até a transcendendo,
como a palavra socorro, que pode ser um pedido de ajuda, um nome ou uma brincadeira
de criança. Jogos de linguagem tem relação com o senso comum e as percepções e intuições
do indivíduo, da maneira como se relaciona com as coisas e como essas relações
estão para além da linguagem e quase que independentemente ganhando uma
enormidade de significados possíveis entre os que a utilizam para conhecer,
representar e transcender o mundo e a si mesmo.
A linguagem é viva,
embora seja um ente no ser, ela se emoldura nas relações entre as pessoas e nas
transformações do mundo ao longo do tempo. Um bom exemplo do jogo linguístico seria
o jogo de xadrez. Temos as peças de xadrez e as regras de xadrez, são elas coisas
físicas (as peças) e metafisicas (as regras), e temos as estratégias do jogo (xadrez,
futebol, pôquer) que não estão mensuradas no jogo e em suas regras, pois estas dependem
de uma leitura linguística que cada jogador faz das estratégias e modos de jogo
do seu oponente. Sendo uma determinante para o a vitória no jogo uma boa
leitura das expressões linguísticas (como no pôquer e no truco) do adversário. E,
como a linguagem é viva ela está condicionada as relações que irão se
estabelecer entre as pessoas com o seu meio e entre si nesse meio. Dizer que a
linguagem é viva não pode ser confundido com a ideia de que ela tenha vida própria
e autônoma. Ela é viva porque não está engessada no tempo e espaço, e sim,
condicionada aos agentes e suas representações do mundo e de si por meio do uso
dela.
O papel da filosofia é
emitir esse olhar reflexivo sobre todas as nuances da comunicação e dos
instrumentos para se realizar essa comunicação. Também é uma reflexão sobre o
conhecimento e suas possibilidades de desenvolvimento atrelados aos
instrumentos linguísticos/representativos da realidade. Logo, a filosofia é
essa investigação continua do pensar humano, seja das suas possibilidades e limitações,
seja dos meios e instrumentos utilizados para que ela aconteça. Nós poderíamos
dar um passo adiante, subir mais um degrau intelectivo conhecendo e
reconhecendo nossos saberes, suas fontes e processos de aprendizagem e quais as
nossas possibilidades em nós de progredir cognitivamente para caminhos que nos
levem há uma versão de nós mesmos que nos seja mais agradável em nós mesmos ou
uma versão de nós mesmos que seja eficiente para nos proporcionar conquistas
que achamos necessárias e úteis. E tudo isso é uso do processo de linguagem assimilada
e projetada em nós e no mundo para que a nossa existência singular seja de fato
feliz[3].
[2]
Mas não somente elas, visto que a comunicação é primariamente, e, em muito
superior a letras e números que possamos utilizar para a representar.
[3]
Ou alguma outra expressão que possamos usar para significar um bem estar, bem
viver e ser exitoso.