Não pretendo ser redundante ou
repetitivo, mas por outra vez, temos aqui que refletir sobre o assunto, e para
fazê-lo precisamos usar, uma vez mais, nossas lentes sociológicas. Que irão nos
permitir ter do tema proposto um olhar mais acurado e preciso, diferente do
senso comum, um olhar acurado e cientificizado.
Violência e Criminalidade são fenômenos
sociais que se assemelham, mas que são distintos. Existem crimes que não são
violentos e atos violentos que não são necessariamente criminosos. Veja-se o
caso de uma guerra, uma protesto, uma revolução, ambos podem acontecer sendo uma
decorrência do outro ou acontecer sem termos associação direta, mas podem
desencadear em tipos de violência e, até, crimes legítimos. O Estado (governo) é
um exemplo do uso legitimo da violência (Weber) sem associação direta com a criminalidade.
Há ainda a violência em competições esportivas (boxe, MMA, futebol americano). E
há por outro lado crimes que não tem associação com a violência, como é caso de
sonegação de impostos, infração de trânsito, uso de drogas e outros. Portanto, violência
e criminalidade, embora possam e costumam estar associadas, são fenômenos diferentes.
Violência não é crime, pois crime é uma determinação social. Crime é uma
anomalia na sociedade estabelecida. O crime é para a sociedade como uma célula doente
para o organismo humano. Só que no caso da sociedade. é ela que decide o que
seria uma célula doente para si.
As
relações sociais que reproduzem exclusão e miséria são uma forma explicita de violência.
O interesse da Sociologia está
nos fenômenos sociais como vandalismo, homicídios, suicídios, guerras,
conflitos sociais. A análise social tem primazia, colocando de lado (na medida
do possível) os juízos de valor, sentimentos de indignação, raiva, tristeza
(que são decorrências culturais); mas por outro lado percebe como violência direta
os fenômenos da exclusão, preconceito (passível de ser crime) e pobreza. Exemplo
claro disso é a seletividade de nosso sistema policial e penal, que alcança
melhor e mais depressa pobres, negros e nordestinos. Como análise sociológica é
preciso perceber e procurar meios de entender o fenômeno social em que os negros
(não só no Brasil), os nordestinos (sobretudo os que estão fora do nordeste),
homossexuais, índios, população de rua, e outros, que estão de fato à margem da
cidadania e sofrem a violência e discriminação social, ostensiva ou não, que
vai desde a mera suspeita até julgamento/condenação/execução penal, todos enormemente
influenciados por preconceitos e injustiças sociais. Também é possível analisar
sociologicamente a divisão social de bairros nas grandes cidades,
principalmente, onde ocorre uma guerra silenciosa entre os ricos e pobres, uma violência
sócio psíquica[1].
Uma temática presente na análise social da violência é a associação da mesma
com a pobreza. A pobreza não é causada pela violência, mas quando aliada a
dificuldade dos governos em oferecer melhor distribuição dos serviços públicos,
torna os bairros mais pobres mais atraentes para a criminalidade e a
ilegalidade.
No Brasil a violência e a
criminalidade estão diretamente associadas, no senso comum, mas estão presentes
em grande escala tanto no âmbito social econômico alto e como no baixo. Temos violência
(agressão a mulheres, crianças, velhos, deficientes) tanto nas classes altas
como baixas, e a criminalidade (rompimento dos acordos sociais normatizados)
praticados por ambos os públicos. Sendo somente seu alcance de maior ou menor amplitude.
Um político que recebe propina é tão corrupto quanto um motorista que suborna
um guarda de trânsito. A criminalidade é crime seja em esferas federais ou
particulares.
Violência
urbana
A violência urbana revela uma característica
que a diferencia de outros tipos de violência e está ligada as condições sociais
de vida impostas no espaço urbano, principalmente por ser populoso e privar a
maior parte da população daquilo que seria considerado direito ou condições necessárias
de vivencia e sobrevivência. A violência urbana pode ser determinada por questões
sociais, econômicas, valores culturais, políticos e morais de uma sociedade. No
nosso Brasil, por exemplo, encontramos instituições frágeis[2],
profundas desigualdades econômicas e uma tradição cultural de violência, que
têm uma aceitação social da ruptura constante das normas jurídicas e o
desrespeito naturalizado à noção de cidadania. Temos a violência dos agentes do
Estado, a polícia, contra as pessoas mais pobres (jovem, masculino,
negro/pardo, morador da periferia), que é aceita com certa indiferença e se incrustam
na cultura e nos modos de ser da sociedade urbana. Neste sentido, há uma reprodução.
A violência sofrida é violência reproduzida, a agressão da escola periférica, o
atendimento nos hospitais públicos, as condições de transporte trabalho/casa,
as condições de moradia da periferia, a estética estrutural da periferia e a
luta para aceitação social no mercado de trabalho já constituem uma agressão comum
e sempre presente para essa população urbana, que é a grande maioria.
No senso comum, vinculamos o
aumento da criminalidade ao aumento da pobreza. Contudo, esta percepção social
se mostrou um tanto enganosa. Tivemos na ultima década uma diminuição da
pobreza e ao mesmo tempo um significativo aumento da violência. É obvio que a
pobreza é um dos fatores da violência, e é exatamente isso, “um” dos fatores e não
o “fator”. A violência e a criminalidade não tem nível socioeconômico especifico,
roubar uma carteira/celular ou sonegar o imposto de renda são crimes
socialmente e legalmente reconhecidos, e assim, temos que a violência e
criminalidade não são determinadas pelo nível econômico.
Claro que podemos fazer claras divisões
de violência/criminalidade por nível socioeconômico. O crescimento da violência
tem demonstrado que sua distribuição ocorre de modo desigual pela cidade. Os crimes
contra a vida (homicídios) concentram-se mais nas regiões periféricas, enquanto
que os crimes contra o patrimônio concentram-se nas regiões centrais – onde também
se têm maior concentração e circulação de riquezas. Olhando para a cidade de São
Paulo quanto à distribuição espacial da criminalidade urbana, os roubos ocorrem
com maior frequência nas regiões centrais e oeste, enquanto que os homicídios ocorrem
em maior proporção nas regiões Sul e Leste, que são as regiões periféricas,
mais pobres, com piores condições socioeconômicas. Sobre a criminalidade há uma aceitação passiva
da população de alguns casos de linchamento ou extermínio, como que delegando
aos executores (cidadãos comuns e não agentes públicos representantes do
Estado) direito executivo e judicial para o mesmo.
Vejamos algumas informações e estatísticas
sobre a violência e criminalidade no Brasil na ultima década.
O Brasil registrou 59.627 homicídios em 2014, o
maior número já registrado em território nacional, é uma estatística que coloca
o país em primeiro lugar no ranking mundial em homicídios. Em termos relativos,
esse número equivale a uma taxa de 29,1 mortes por 100 mil habitantes, uma das
maiores do mundo[3].
Em 2013, o número de homicídios foi de 57.396, com uma taxa de 28,3 por 100 mil.
Os dados são do Atlas da Violência, pesquisa feita em parceria entre o
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP), com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade
(SIM), do Ministério da Saúde[4].
A pesquisa ainda revela que jovens negros e com baixa escolaridade são as
principais vítimas. No recorte
por sexo e faixa etária, o estudo indica que 46,9% dos homens que morrem entre
os 15 e os 29 anos são vítimas de homicídio. O número salta para 53% quando são
jovens de 15 a 19 anos.
A pesquisa também mostra que o nível de escolaridade é um fator determinante para se identificar os grupos mais suscetíveis às mortes por homicídio. Segundo o Atlas da Violência, um jovem de 21 anos, idade de pico das mortes por homicídios, e com menos de sete anos de estudo tem 16,9 vezes mais chances de ter uma morte violenta do aquele que chega ao ensino superior.
A pesquisa também mostra que o nível de escolaridade é um fator determinante para se identificar os grupos mais suscetíveis às mortes por homicídio. Segundo o Atlas da Violência, um jovem de 21 anos, idade de pico das mortes por homicídios, e com menos de sete anos de estudo tem 16,9 vezes mais chances de ter uma morte violenta do aquele que chega ao ensino superior.
A questão da
situação socioeconômica é outro fator determinante para o risco de morte. O
balanço do IPEA e do FPSP mostra que, aos mesmos 21 anos, as chances de jovens
pretos e pardos, que representam a maior parte da população pobre no Brasil[5],
morrerem por homicídios são 147% maiores do que de jovens de outros grupos
étnicos. O estudo ainda aponta que, entre 2004 e 2014, houve um crescimento de
18,2% de homicídios contra negros, e uma diminuição de 14,6% contra pessoas que
não são pretas ou pardas.
O gráfico abaixo
mostra
o aumento de homicídios nas regiões e estados brasileiros em porcentagem, entre
os anos de 2004 e 2014.

Para mais informações sobre o
tema em relação à Violência Policial, Homicídio de Afrodescentes, Violência de
Gênero, Arma de Fogo e outros, acesse http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160322_nt_17_atlas_da_violencia_2016_finalizado.pdf
[1] O rico sentirá está violência
ao frequentar lugares estabelecidos socialmente para os pobres, enquanto que os
pobres também sentirão o desconforto de frequentar/pariticipar lugares
geograficamente ou socialmente determinados para os ricos
[2] Embora
o ano de 2016 tenha contribuído significativamente em sentido muito participativo
e eficaz no legislativo (impeachement e reformas diversas) e no judiciário,
principalmente.
[3]
Segundo a ONU, um número aceitável seria de 10/100 mil habitantes.
[4]
Informações em http://www.valor.com.br/brasil/atlas-da-violencia.
[5]
Representam 54% da população brasileira e 76% dos mais pobres do país.