Corrupção Como Mal Social
Somos células, músculos, fibras,
carne, tecidos, órgãos, mitose e meiose, transmissões sinápticas, matéria que pensa
e sente, aprende e ensina. Essa é a nossa existência fisiologicamente
determinada e condicionada há uma realidade material que sujeita todo esse complexo
biológico, determinando em muito o que ele seja e como se relaciona com o meio.
Diante dessa existência primariamente biológica e fisiológica, precisamos refletir
e entender o quanto o meio, natural ou social, influência na formação e
definição do ser. E neste intuito, pensemos sobre a corrupção que é o desvio de
um caminho desejado e determinado, que é o desvio de um comportamento tido como
padrão e adequado. E, pensemos também sobre os fatores motivadores para a
existência e permanência da corrupção em nosso contexto social, e, em nosso
caso na nossa sociedade/país/nação.
Corrupção é o corrompimento algo,
e corresponde à ideia de decomposição, que significa decompor negativamente uma
realidade social, política, econômica, familiar, íntima ou outras. Na esfera
das relações humanas está relacionado ao suborno, que é o ato de se corromper
ética e moralmente em busca de um ganho fácil e rápido; corromper é oferecer
algo para obter vantagem em negociata qualquer na qual se favorece uma pessoa e
se prejudica outra (s); corromper é oferecer ou prometer vantagem indevida a
qualquer pessoa para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar um ato adequado
a uma situação que assim a demanda.
Segundo o professor Leandro
Karnal corrupção é uma decorrência social: “A
corrupção é um mal social, a corrupção é um mal coletivo”; aplicando na
política diz: “Não existe governo corrupto em uma nação ética, e, não existe
nação corrupta com um governo ético e transparente”. Assim, o comportamento
das pessoas, independente da condição econômica, é resultado direto da
sociedade em que este é socializado. Se uma criança Suíça agir com mais ética
que uma criança brasileira não é mérito direto da criança, e sim do seu meio
social, que a condiciona (sem tirar sua liberdade) a agir de tal e tal maneira.
Segundo Karnal, entre nação/povo e governo há um espelhamento, uma prática
comum e generalizada em que cada um em sua instância social (no nosso caso é da
malandragem e esperteza) busca amealhar ganhos para o particular em detrimento
do público. Claro que essa prática por parte do político é muito mais
prejudicial para a sociedade do que um cidadão que despensa seu lixo em um
terreno abandonado, ou instala uma TV a gato em casa. Contudo, a prática de
ambos é corrupta e corrompe o convívio social.
Para Calil Simão[1],
é pressuposto necessário para instalação da corrupção, a ausência de interesse
ou compromisso com o bem comum. "A
corrupção social ou estatal é caracterizada pela incapacidade moral dos
cidadãos de assumir compromissos voltados ao bem comum. Vale dizer, os cidadãos
mostram-se incapazes de fazer coisas que não lhes tragam uma gratificação
pessoal". Há uma ideia imanente de que a corrupção está sempre
presente, e de que é perda de tempo e imprudência (quando não dizem ser “burrice”)
a prática ética. Por trás está a ideia de que o particular é mais importante
que o público, que um bem particular é melhor que um bem público e comum,
ignorando que “Toda vez que eu ganho no
particular (corrupção) eu perco no público, e faço perderem junto comigo”.
Em Aristóteles a política é o
espaço da discussão para o bem viver na pólis, viver em sociedade é praticar a
arte de viver bem, e viver bem é a sabedoria de viver junto. Segundo Aristóteles,
o que corrompe o homem é a falta de um fim último (finalidade) para as escolhas
e as virtudes humanas, num contexto da pólis, no contexto da vida coletiva. Há
um jogo de interesse particular, onde o que importa é se o meu “eu” está
servido e satisfeito nem que seja às custas dos outros. Ao negar a convivência
ética na pólis como espaço de discussão e como arte de bem viver – visto que o
sumo bem só é possível nela – nega a si mesmo a possibilidade da melhor existência
possível, o pessoal e singular não pode realizar o bem que o coletivo e plural
pode proporcionar. O homem virtuoso em Aristóteles, não corrupto, é aquele que exerce
a política com vistas ao bem comum.
Exemplos
de práticas com viés singular em detrimento das plural são comuns: “Não
é raro ao brasileiro oferecer propina a agentes fiscalizadores e policiais para
evitar multa, não dar uma nota fiscal, furar fila, comprar produtos
falsificados, bater ponto para o colega, colar na prova da escola, fazer “gato”
na TV a cabo/energia/água, alterar o peso e medida de produtos, exercer a
profissão sem a devida observância aos Códigos de Ética profissional, sonegação
de impostos, utilizar bens públicos para fins particulares ou em benefício de
terceiros, entre outros.”[2].
Partindo
para um plano geral e macro: “a corrupção prejudica as instituições
democráticas, freia o desenvolvimento econômico e contribui para a
instabilidade política. A corrupção corrói as bases das instituições
democráticas, distorcendo processos eleitorais, minando o Estado de Direito e
deslegitimando a burocracia. Isso causa o afastamento de investidores e
desestimula a criação e o desenvolvimento de empresas no país, que não
conseguem arcar com os "custos" da corrupção”[3].
Analisando por um viés sociológico, nossa existência
está condicionada há uma realidade material especifica, realidade que
condiciona e molda (não absolutamente) a própria existência do ser, assim a existência
é social e socialmente condicionada e determinada. Tal como explicita Pierre Bourdieu
com o conceito de Habitus[4],
segundo o qual a sociedade é assimilada na existência do indivíduo e se torna
na natural e inevitável possibilidade de existir e ser, não permitindo que o indivíduo
decida livremente sua ação e escolha, já que o indivíduo em si é uma
decorrência de sua sociedade, e por consequência sua escolha, preferência e existência
é primariamente social. Por isso, a corrupção é um derivativo social e é
socialmente embutida no ser e tornada em hábito pelo mesmo. Por isso, o
entendimento e superação da corrupção está no entendimento da sociedade e suas
influências diretas e indiretas sobre o indivíduo, para que o mesmo se torne um
agente consciente da sua ação e das influências externas sobre si, podendo
assim consentir ou negar a presença e influência social sobre o próprio
comportamento, no nosso caso evitar, fugir ou corromper com o habitus da
corrupção e adquirir uma novo habitus ético.
Uma nação ética é resultado de um
comprometimento PESSOAL com o
que é público, com o que é comum, com o que é plural, com o que pertence a
todos. A corrupção é social, a ética é pessoal (primeiramente) e pública. A corrupção
é anulada quando o “EU” não é mais valioso e premente que o “VOCÊ”, o “ELES” e
o “NÓS”. A ética – a não corrupção – nos humaniza, nos convoca a sermos melhor
do que o que fizeram conosco. A ética aposta na nossa condição e capacidade de
fazer do plural um ganho maior e melhor que o singular e pessoal. E assim, abrimos
mão do ganho fácil, rápido e oportuno por possiblidades melhores que juntos podemos
obter.
Somos pensamento, ideia,
determinação determinada, somos uma equação biológica/fisiológica/sináptica/cognitiva/emocional/social/cultural.
A corrupção é uma semente germinante no seio pessoal como decorrência do
cultivo social. Mas os frutos que essa semente poderá fornecer não são
necessariamente uma derivação obrigatória da sociedade. No pessoal posso negar
o coletivo corrompido para exercer um singular ético que produz sobre o
coletivo uma condição mais positiva, autônoma, ética e justa, que por sua vez,
poderá a longo prazo produzir um habitus cultural que faça da ética (o bem
comum) uma determinação cultural tal qual a corrupção tem sido em nós até
então.
[1] Calil Simão é
advogado, professor, escritor e jurista brasileiro. Atualmente é Presidente
do Instituto Brasileiro de Combate à Corrupção (IBCC), membro
da Ordem dos Advogados, secção de São Paulo,
professor associado do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional.
[2] BIASETTO,
Daniel; GÓES, Bruno. Corrupto é o outro. Jornal o Globo, São Paulo, Abril de
2015. Disponível em: Acesso em: 19 de abr. de 2016.
[3] DECOMTEC.
FIESP. Relatório corrupção: custos econômicos e propostas de combate.
Disponível em: Acesso em: 19 de abr. de 2016.
[4] Habitus fala da incorporação da interação
com a sociedade pelo indivíduo. É a assimilação da sociedade pelo individuo,
sendo essa assimilação tornada em carne, corpo (célula), pensamento,
sentimento. É uma determinação inconsciente, muitas vezes, da sociedade sobre o
ser do indivíduo.