Fenomenologia - entre o Ente e o
Ser
No desenvolver do pensamento
filosófico humano buscou se novos campos de atuação para o mesmo em que a sua
determinação não estivesse determinada a priori do próprio pensar. Aqui está o
lugar da fenomenologia, pensar o pensar como resultado do ato pensante enquanto
pensa. O ato fenomenológico é questionar o pensar pautado nas experiências,
visto que as experiências incluem fenômenos dos quais o indivíduo é apenas
vagamente consciente de ações inconscientes que não requerem qualquer
pensamento consciente, pois mesmo quando se pensa a experiência há atos
pensantes experimentados que não entram, ou não se percebem estando presentes
na experiência do pensar. Para isso, a fenomenologia sugere que o pensar deve
estar além ou aquém da experiência, visto que a experiência já é resultado de
um pensar que a precede. Todas estas coisas se combinam para criar a riqueza da
experiência percebida, e os pensamentos dela decorrente, e devem ser analisadas
em conjunto em qualquer discussão filosófica da experiência.
É nessa lacuna entre o ser
pensante e o ato pensante que Edmund Husserl posiciona seu método filosófico
nomeado de fenomenologia. Que foi desenvolvida e analisada no seu tempo, e ainda continua a ser
contemporaneamente, por filósofos como Martin
Heiddeger, Meleau Ponty e Jean Paul Sartre. Desde o tempo em que foi
apresentado o termo fenomenologia é uma maneira de pensar que procura tanto
evitar as ilusões quanto driblar a superficialidade da metafísica em relação à
compreensão do saber pelos sentidos. Desta forma, ao propor seu conceito de
fenomenologia, Edmund Husserl o apresenta como um contraponto à crise das
ciências modernas, o naturalismo e o psicologismo, que desejava ser a base de
todas as ciências humanas. A fenomenologia husserliana difere das constituídas
por Kant e Hegel, de modo estrutural, isto é, no que diz respeito à própria
questão do ser ou em relação a uma teoria do ser absoluto ou da ontologia. O
método fenomenológico husserliano apresenta a fenomenologia como uma filosofia
de rigor que propõe a observação e descrição prévias do fenômeno, sem que aquele
para o qual o fenômeno se mostra esteja imerso em seus pré-juízos e
pré-conceitos. Se compararmos Husserl a Kant e a Hegel, poderemos notar que,
com respeito ao problema ontológico, sua tentativa representa algo como uma
terceira via: enquanto a fenomenologia de tipo kantiana concebe o ser como o
que limita a percepção do fenômeno ao mesmo tempo em que ele próprio permanece
fora de alcance, enquanto inversamente, na fenomenologia hegeliana, o fenômeno
é reabsorvido num conhecimento sistemático do ser, já a fenomenologia
husserliana se propõe como fazendo ela própria, as vezes, de ontologia pois,
segundo Husserl, o sentido do ser e o fenômeno não podem ser dissociados.
Com efeito, o esforço filosófico
de Husserl, em seu espírito, destinou-se a resolver, simultaneamente, uma crise
das ciências do homem e uma crise das ciências simplesmente, da qual ainda não
escapamos.”[/i] (Merleau-Ponty, 1973.:1)
De acordo com a fenomenologia, o
mundo e a realidade são fenômenos que possibilitam perceber o ser e o não
ser, o ente. A fenomenologia estuda o que acontece, ou aquilo que acontece com
ou sem a percepção do ser de que estão acontecendo. A percepção do fenômeno
está condicionada à sua sensorialidade, que são as ferramentas que se dispõem para
perceber o fenômeno e assim determiná-lo em si e para si, e aquém de si. Esta
consciência é sempre consciência de algo, mesmo quando seja de si mesma. Logo,
ao se mostrar para uma consciência, o fenômeno se revela para uma consciência (ser)
dela mesma (ente), ou seja, uma consciência de um fenômeno é uma consciência no
ser da sua existência no ser como algo fora do ser, percebido por ele e
existente nele. Assim temos o ser e o ente:
O ser está naquilo que é e como
é, na realidade, no ser simplesmente dado, no ser-aí (Heiddeger), na existência
conscienciosa de si como distinta dos entes.
O ente é, por sua vez, tudo de
que falamos, tudo que entendemos, o como nos comportamos dessa ou daquela
maneira. O ente é o como ou porque do que somos. Para Edmund Husserl a
consciência é consciência de algo antes de ser consciência de si mesmo, assim
ela é plástica, remodelável, não exata, mas de ilimitadas possibilidades.
Aqui surge o “Daisen” de Martin
Heddeiger, que significa o “ser ai”. O ser como prontificado em ser por ter
consciência do ente e de sua existência distinta do ente, mas sempre condicionada
a ele, ou como derivada da existência e percepção dele. Pois na lógica fenomenológica
“não há ente se não houver o ser” e vice-versa. O ser já está no mundo quando
percebe o ser que é como necessário para se conceber como ser e o ente como
distinto e extensivo de seu ser.
A fenomenologia é essa busca
mesma de explicitar, explicar e entender os fenômenos, contudo há uma implicação
direta nesse processo, pois há um olhar para a experiência e esse olhar não pode
ser nulo ou neutro, já que a estrutura central de uma experiência é a sua
intencionalidade, a forma como é dirigida na busca de significado em direção a
um determinado objeto no mundo. É preciso então, realizar o que Husserl
denominou de Epoché, que é a suspensão dos juízos das coisas, para criar a
possibilidade de desvelar dela o ainda não desvelado. Epoché é por o mundo
entre parênteses para poder olhá-lo com um olhar virginal em busca de
desvelamentos virginais sobre as coisas mesmas. Ato impossível em Kant, visto
que o olhar a priori já está condicionada a determinadas estruturas que
condicionam o próprio olhar.
Temos assim, na fenomenologia que
o ente é resultado da ação do ser em busca de algo. Temos então que o conhecimento
é um ato intencional e o conhecimento direcionado para entendimento do fenômeno
faz dele uma coisa intencionada, não o que ela é ou o que dela se descobre, mas
a descoberta mesma, o seu desvelamento (seja lá o que seja) é resultado de uma
busca de análise do fenômeno. Importante lembrar que contemplar o fenômeno não
é o mesmo que contemplar o numeno (essência da coisa). Quando verifico o
fenômeno Antonielson não tenho no fenômeno (ver, tocar, cheirar, ouvir) a
essência de Antonielson, o que ele é. Tenho a aparição, a apresentação, o
desvelamento de algo que não sabia, mas já existia, e sua essência está em algo
mais profundo e mais complexo que a sua observação fenomenológica.
Ainda para
estendermos os conceitos um pouco mais, essa consciência intencionalizada que
tenho dos fenômenos adquire uma temporalidade. Ouvir um som hoje (um fenômeno)
cria em uma consciência do século XXI uma representação bem diferente da que
criava em consciências do século XII, visto que a aparição do som (o que ele é
e como é) se dava de diferente maneira naquela época. O tempo faz as coisas
ganharam diferentes significações, pois ela tendem a serem desveladas, mais e
melhor entendidas, com o passar do tempo. Também a temporalidade cria novas
buscas e intencionalidades sobre as consciências com o passar. Ter 16 anos em
1979 era ter consciência de mundo e fazer projeções bem diferentes das que você
leitor (a) faz hoje.
Por finalidade textual, é preciso
dizer que temos com a fenomenologia as discussões:
1. Não temos o fenômeno, temos
nossa possibilidade de perceber o fenômeno, logo o que temos é o fenômeno ou
nosso olhar sobre o fenômeno? Logo é possível reposicionar muitas coisas presentes
em nosso cotidiano e em nossas particularidades, tais como amor, fome de algo,
dependência tecnológica (celular) e outros. Já que as coisas não são o que elas são já que o que elas são é o que é para nós. Como nos aparece. O fenômeno fome de McDonald's não é fome de McDonald's propriamente, e sim uma percepção que tenho sobre a necessidade alimentar do meu corpo e de um alimento específico (hambúrguer) que me está acessível.
2. Na fenomenologia a identidade
deveria ser pensada como transitória numa realidade fenomenológica e
transitória. Contudo, apesar da fundamentação do ente e do ser na fenomenologia
o ser mantém uma fundamentação transcendente e não transitória da própria identidade.
Os fenômenos são contínuos sobre o ser, mas o ser mantém, sem intenção, uma
continuidade de si, uma essência de si para si e para os outros.
3. A fenomenologia enraizada na existência,
determinada pelo ser que a realiza, é possível porque nada do que somos e
fazemos pode prescindir dos atos perceptivos que temos. A consciência é composta
por um agregado de impressões sensoriais, que a antecedem, a realizam e derivam
dela, logo o processo fenomenológico é cognitivo, psíquico e fisiológico (Merleau
Ponty). Aqui, temos na fenomenologia uma possibilidade de revisar as noções de
consciência e sensação como coisas únicas ou como coisas separadas, mas nunca
como coisas indissociáveis para acontecer.