terça-feira, 23 de abril de 2019

Fenomenologia - entre o Ser e o Ente


Fenomenologia - entre o Ente e o Ser

No desenvolver do pensamento filosófico humano buscou se novos campos de atuação para o mesmo em que a sua determinação não estivesse determinada a priori do próprio pensar. Aqui está o lugar da fenomenologia, pensar o pensar como resultado do ato pensante enquanto pensa. O ato fenomenológico é questionar o pensar pautado nas experiências, visto que as experiências incluem fenômenos dos quais o indivíduo é apenas vagamente consciente de ações inconscientes que não requerem qualquer pensamento consciente, pois mesmo quando se pensa a experiência há atos pensantes experimentados que não entram, ou não se percebem estando presentes na experiência do pensar. Para isso, a fenomenologia sugere que o pensar deve estar além ou aquém da experiência, visto que a experiência já é resultado de um pensar que a precede. Todas estas coisas se combinam para criar a riqueza da experiência percebida, e os pensamentos dela decorrente, e devem ser analisadas em conjunto em qualquer discussão filosófica da experiência.
É nessa lacuna entre o ser pensante e o ato pensante que Edmund Husserl posiciona seu método filosófico nomeado de fenomenologia. Que foi desenvolvida e analisada no seu tempo, e ainda continua a ser contemporaneamente,  por filósofos como Martin Heiddeger, Meleau Ponty e Jean Paul Sartre. Desde o tempo em que foi apresentado o termo fenomenologia é uma maneira de pensar que procura tanto evitar as ilusões quanto driblar a superficialidade da metafísica em relação à compreensão do saber pelos sentidos. Desta forma, ao propor seu conceito de fenomenologia, Edmund Husserl o apresenta como um contraponto à crise das ciências modernas, o naturalismo e o psicologismo, que desejava ser a base de todas as ciências humanas. A fenomenologia husserliana difere das constituídas por Kant e Hegel, de modo estrutural, isto é, no que diz respeito à própria questão do ser ou em relação a uma teoria do ser absoluto ou da ontologia. O método fenomenológico husserliano apresenta a fenomenologia como uma filosofia de rigor que propõe a observação e descrição prévias do fenômeno, sem que aquele para o qual o fenômeno se mostra esteja imerso em seus pré-juízos e pré-conceitos. Se compararmos Husserl a Kant e a Hegel, poderemos notar que, com respeito ao problema ontológico, sua tentativa representa algo como uma terceira via: enquanto a fenomenologia de tipo kantiana concebe o ser como o que limita a percepção do fenômeno ao mesmo tempo em que ele próprio permanece fora de alcance, enquanto inversamente, na fenomenologia hegeliana, o fenômeno é reabsorvido num conhecimento sistemático do ser, já a fenomenologia husserliana se propõe como fazendo ela própria, as vezes, de ontologia pois, segundo Husserl, o sentido do ser e o fenômeno não podem ser dissociados.
Com efeito, o esforço filosófico de Husserl, em seu espírito, destinou-se a resolver, simultaneamente, uma crise das ciências do homem e uma crise das ciências simplesmente, da qual ainda não escapamos.”[/i] (Merleau-Ponty, 1973.:1)
De acordo com a fenomenologia, o mundo e a realidade são fenômenos que possibilitam perceber o ser e o não ser, o ente. A fenomenologia estuda o que acontece, ou aquilo que acontece com ou sem a percepção do ser de que estão acontecendo. A percepção do fenômeno está condicionada à sua sensorialidade, que são as ferramentas que se dispõem para perceber o fenômeno e assim determiná-lo em si e para si, e aquém de si. Esta consciência é sempre consciência de algo, mesmo quando seja de si mesma. Logo, ao se mostrar para uma consciência, o fenômeno se revela para uma consciência (ser) dela mesma (ente), ou seja, uma consciência de um fenômeno é uma consciência no ser da sua existência no ser como algo fora do ser, percebido por ele e existente nele. Assim temos o ser e o ente:
O ser está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado, no ser-aí (Heiddeger), na existência conscienciosa de si como distinta dos entes.
O ente é, por sua vez, tudo de que falamos, tudo que entendemos, o como nos comportamos dessa ou daquela maneira. O ente é o como ou porque do que somos. Para Edmund Husserl a consciência é consciência de algo antes de ser consciência de si mesmo, assim ela é plástica, remodelável, não exata, mas de ilimitadas possibilidades.  
Aqui surge o “Daisen” de Martin Heddeiger, que significa o “ser ai”. O ser como prontificado em ser por ter consciência do ente e de sua existência distinta do ente, mas sempre condicionada a ele, ou como derivada da existência e percepção dele. Pois na lógica fenomenológica “não há ente se não houver o ser” e vice-versa. O ser já está no mundo quando percebe o ser que é como necessário para se conceber como ser e o ente como distinto e extensivo de seu ser.
A fenomenologia é essa busca mesma de explicitar, explicar e entender os fenômenos, contudo há uma implicação direta nesse processo, pois há um olhar para a experiência e esse olhar não pode ser nulo ou neutro, já que a estrutura central de uma experiência é a sua intencionalidade, a forma como é dirigida na busca de significado em direção a um determinado objeto no mundo. É preciso então, realizar o que Husserl denominou de Epoché, que é a suspensão dos juízos das coisas, para criar a possibilidade de desvelar dela o ainda não desvelado. Epoché é por o mundo entre parênteses para poder olhá-lo com um olhar virginal em busca de desvelamentos virginais sobre as coisas mesmas. Ato impossível em Kant, visto que o olhar a priori já está condicionada a determinadas estruturas que condicionam o próprio olhar.
Temos assim, na fenomenologia que o ente é resultado da ação do ser em busca de algo. Temos então que o conhecimento é um ato intencional e o conhecimento direcionado para entendimento do fenômeno faz dele uma coisa intencionada, não o que ela é ou o que dela se descobre, mas a descoberta mesma, o seu desvelamento (seja lá o que seja) é resultado de uma busca de análise do fenômeno. Importante lembrar que contemplar o fenômeno não é o mesmo que contemplar o numeno (essência da coisa). Quando verifico o fenômeno Antonielson não tenho no fenômeno (ver, tocar, cheirar, ouvir) a essência de Antonielson, o que ele é. Tenho a aparição, a apresentação, o desvelamento de algo que não sabia, mas já existia, e sua essência está em algo mais profundo e mais complexo que a sua observação fenomenológica. 
Ainda para estendermos os conceitos um pouco mais, essa consciência intencionalizada que tenho dos fenômenos adquire uma temporalidade. Ouvir um som hoje (um fenômeno) cria em uma consciência do século XXI uma representação bem diferente da que criava em consciências do século XII, visto que a aparição do som (o que ele é e como é) se dava de diferente maneira naquela época. O tempo faz as coisas ganharam diferentes significações, pois ela tendem a serem desveladas, mais e melhor entendidas, com o passar do tempo. Também a temporalidade cria novas buscas e intencionalidades sobre as consciências com o passar. Ter 16 anos em 1979 era ter consciência de mundo e fazer projeções bem diferentes das que você leitor (a) faz hoje.
Por finalidade textual, é preciso dizer que temos com a fenomenologia as discussões: 
1. Não temos o fenômeno, temos nossa possibilidade de perceber o fenômeno, logo o que temos é o fenômeno ou nosso olhar sobre o fenômeno? Logo é possível reposicionar muitas coisas presentes em nosso cotidiano e em nossas particularidades, tais como amor, fome de algo, dependência tecnológica (celular) e outros. Já que as coisas não são o que elas são já que o que elas são é o que é para nós. Como nos aparece. O fenômeno fome de McDonald's não é fome de McDonald's propriamente, e sim uma percepção que tenho sobre a necessidade alimentar do meu corpo e de um alimento específico (hambúrguer) que me está acessível. 
2. Na fenomenologia a identidade deveria ser pensada como transitória numa realidade fenomenológica e transitória. Contudo, apesar da fundamentação do ente e do ser na fenomenologia o ser mantém uma fundamentação transcendente e não transitória da própria identidade. Os fenômenos são contínuos sobre o ser, mas o ser mantém, sem intenção, uma continuidade de si, uma essência de si para si e para os outros.  
3. A fenomenologia enraizada na existência, determinada pelo ser que a realiza, é possível porque nada do que somos e fazemos pode prescindir dos atos perceptivos que temos. A consciência é composta por um agregado de impressões sensoriais, que a antecedem, a realizam e derivam dela, logo o processo fenomenológico é cognitivo, psíquico e fisiológico (Merleau Ponty). Aqui, temos na fenomenologia uma possibilidade de revisar as noções de consciência e sensação como coisas únicas ou como coisas separadas, mas nunca como coisas indissociáveis para acontecer.

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