Cultura, o que é isso?
CULTURA do latim colere que tem o sentido de “cultivo de” que quando aplicado nas ciências
sociais (sociologia, antropologia, psicologia social) pretende dar sentido a
toda apreensão humana e aprendizagem social que obtém por meio de sua socialização,
a partir de sua sociedade de pertencimento.
Nas artes a cultura se apresenta como o
cultivo de valores, inspirações, expressões que por encontrar ressonância pessoal
e cultural (transcendência valorativa) entre o artista e aquele que contempla
sua obra. Na vida a cultura se apresenta como o cultivo de diversificadas expressões
e organizações humanas, que podemos perceber nos grupos humanos, nas tribos indígenas
ou urbanas (rock, punk, funk, mpb, sertanejo, gospel). Temos também a cultura
como cultivo intelectual e cognitivo, que diz respeito aos saberes cultivados
ou adquiridos pelo indivíduo. Termo que designa o possuidor de tal cultura como
“culto” ou “pessoa com cultura”.
A palavra cultura tem como origem primaria o
cultivo, a transformação da natureza, ou seja, tirar algo de seu estado natural
para lhe dar uma significação, sentido, utilidade que não lhe são inerentes
(lã/roupas, minério/metal, laranja/álcool, água/energia). A cultura aplicada a existência
e convivência humana visa transformar a sua natureza. Ela, a cultura, tira o
homem do que lhe é natural como natureza[1]
e lhe possibilita transcender a si mesmo, sua animalidade, e transcender a
todos que lhe antecederam culturalmente e evolutivamente. Adquirindo cultura, o
homem passou a depender mais do aprendizado cultural do que a depender do agir através
de atitudes geneticamente determinadas. O processo de aprendizagem determina o
comportamento do homem/mulher e a sua capacidade artística ou profissional. A cultura
é um processo acumulativo resultante de toda a experiência histórica, experiência
geracional, experiência social. Esse processo cultural/histórico/geracional limita
ou estimula a ação criativa/criadora do indivíduo. Vejamos alguns estudiosos da
questão.
Aristóteles, que nunca usou o termo cultura,
definia o homem como um zoon politikon (animal político), um animal que se
humaniza na polis/política, que seria a ética no conviver para aprimoramento do
viver.
Para John Locke a mente humana não é mais do
que uma caixa vazia na ocasião de seu nascimento, está é dotada apenas da
capacidade ilimitada de obter conhecimento. Está ai a grande necessidade
cultural.
Clifford Geertz alegoriza dizendo que somos
Hardwares com softwares (projetados, programado) que são a forma e meio de
entender/perceber o mundo. Aqui temos um tema de reflexão contemporânea, que é
a de que a cultura virtual é transposta na cultura real, só que a cultura
virtual seria um espelhamento da cultura real. Um post virá padrão e vira
referência, um ato particular que viraliza e se torna expressão cultural, ainda
que temporária.
Benedict diz: “a cultura é como uma lente através
da qual o homem vê o mundo”. Com ele podemos pensar a respeito do Etnocentrismo
(percepção e projeção cultural centrada na própria cultura), que exige a aceitação
da diversidade, compreender a diversidade cultural e respeitar as diferenças.
Boa Ventura de Sousa Santos aborda a cultura e
a multiplicidade de multiculturalismo e questiona, também, a atitude etnocêntrica
que é a imposição da cultura de um grupo sobre outra cultura seja na religião, grupos
de skate, rap, funk, área acadêmica, economistas.
Temos até aqui que a cultura não é biológica (o
homem é o único animal com cultura), que se faz como uma especificidade humana.
Assim, não podemos falar de determinismo biológico de povos, tribos, gêneros ou
etnias. O que podemos afirmar é que as culturas não são estáticas e sim dinâmicas,
que a cultura é uma simultaneidade de relações aprendidas e repetidas que se
refazem dinamicamente na continuidade dessas relações. Afirmar que a cultura é
um grande mecanismo de produção de significados material ou imaterial. Que cultura
é um termo aberto e em transição, que se define como não definível. E que é também,
específica de um grupo, de um jeito de viver econômico e educacional, que se
subdivide em Cultura elite Cultural popular. Podemos falar que julgar, avaliar
e inferiorizar uma cultura (etnocentrismo) qualquer não é coerente, visto que
as culturas são uma construção sócio relacional em uma condição sócio existencial
que não pode ser julgada, analisada, entendida com as lentes de uma outra
cultura. Falar que temos aqui uma primeira abordagem sobre o tema cultura, que
nos ajudará no caminho/processo de compreensão do mundo e de nós mesmos nele.
O ser humano pode ajustar-se a um número
maior de ambientes do que qualquer outra criatura, multiplicar-se infinitamente
mais depressa do que qualquer mamífero superior, e derrotar o urso polar, a
lebre, o gavião e o tigre, em seus recursos especiais. Pelo controle do fogo e
pela habilidade de fazer roupas e casas, o homem pode viver, e vive e viceja,
desde os polos da Terra até o equador. Nos trens e automóveis que constrói,
pode superar a mais rápida lebre ou avestruz. Nos aviões e foguetes pode subir
mais alto do que a águia, e, com os telescópios, ver mais longe do que o
gavião. Com armas de fogo pode derrubar animais que nenhum tigre ousaria
atacar. Mas fogo, roupas, casas, trens, automóveis, aviões, telescópios e armas
de fogo não são parte do corpo do homem. Eles não são herdados no sentido
biológico. O conhecimento necessário para sua produção e uso é parte do nosso
legado social. Resulta de uma tradição acumulada por muitas gerações e
transmitida, não pelo sangue, mas através da linguagem (fala e escrita). A
compensação que o homem tem pelos seus dotes corporais relativamente pobres é o
cérebro grande e complexo, centro de um extenso e delicado sistema nervoso, que
lhe permite desenvolver sua própria cultura. (G. CHILDE. A evolução do homem. P.40 – 41).
Assim concluímos que: “Cultura é um adestramento fisiológico, biológico, neural e cognitivo a
determinadas determinantes sócio estruturais estruturadas e estruturantes do
ser que se perfazem nele na relação com o mundo”.
[1]
Lembrando de Rosseau, “Gato é Gato”, o homem não tem instinto humano e assim precisa desenvolver uma “tecnologia”
adaptativa para viver e evolutiva para melhorar o viver.