sábado, 8 de abril de 2017

Alteridade e Convivência – Emmanuel Levinas

Alteridade e Convivência – Emmanuel Levinas

Emmanuel Levinas foi um filósofo francês de família judaica, que caracteriza suas obras numa perspectiva fenomenológica, que é primeiramente uma descrição dos atos do espirito, sua intencionalidade, afeição e sensibilidade; e em segundo é uma reflexão a partir do indivíduo. A partir dessas duas estruturas desenvolve sua concepção ética, que é comprometida com o permanente reconhecimento do outro.
Aqui Levinas irá inverter uma máxima maquiavelista tão comum na ética capitalista de nossos dias, que é a de que “os fins justificam os meios”, ou seja, o resultado pretendido é o que importa nas relações que são estabelecidas. Para Levinas os fins não justificam os meios, visto que o outro é fundamental para constituição do si mesmo. O outro é constituinte do eu, a formação de um se dá através do outro (o rosto do outro sempre pede uma resposta). Se a formação do eu se dá na relação direta ou indireta com o outro, esse outro é gerador no eu do infinito de si. A existência é a necessidade do infinito, a necessidade do outro, a identificação que tenho de mim na relação com o outro, e que faz com que sejamos incompletos, já que por mais que eu seja satisfatório em mim, está no outro a real satisfação, ou a satisfação ainda maior de mim mesmo. Assim temos que “o desejo pelo infinito se realiza no outro em retroação consigo e com o outro”. É o desejo do infinito, dirá Levinas, pois quando uma convivência é boa nos faz querer mais, e isso infinitamente. Aqui então temos uma primeira definição de alteridade, que é alimentar o desejo do infinito na relação com o outro. A complexidade da descrição de si na música “Infinito Particular” da Marisa Montes, é reveladora desse infinito relacional. Compreender a outra pessoa é tomar para si aquilo que é ela, ou dela. E a alteridade é essa ação compreensiva do outro no eu sem eliminar o seu tu.
Essas concepções Levinianas nos levarão necessária a nos perguntar e definir as duas perguntas históricas: “O que é o ser?” Se somos o infinito em formação na alteridade, ou seja, o infinito que se perfaz em infinito, e a outra “O que é a verdade?” Ora, se a compreensão de si e do outro são temporárias, já que o eu e o outro são uma permanente construção relacional (conceito que tem referência direta em Heráclito no conceito sobre o ser que é ser ao não ser, mobilismo existencial), a compreensão do mundo também o será, e as concepções de verdades (oposição a uma só Verdade) também serão. A filosofia é, nestes termos, a busca das verdades, a busca das exterioridades reveladoras das condicionantes existenciais e relacionais. Agora objetiva-se relacionar se concretamente com o que está além do eu, exterior, fora de seu controle, de sua posse, sob a qual o eu não tem domínio nenhum. 
Aqui surge uma indagação: como compreender o outro sendo o eu um outro, e ao mesmo tempo sabendo do desejo infinito constituinte dessa relação? Levinas dirá que para refletir sobre o outro não é possível cometer o erro de se colocar no lugar do outro, exatamente por ser o outro um outro que não pode ser compreendido em si, ele precisa ser respeitado em si, compreendido em si, aceito em si. O outro não pode ser um outro em mim, precisa ter seu espaço existencial respeitado para que possa ser esse outro que me permite na alteridade ser eu.
Aqui Emmanuel Levinas faz uma crítica feroz ao modo de produção capitalista, com referências diretas a Industria Cultural, pois nessas concepções contemporâneas o outro é um obstáculo do eu, um empecilho para si, um adversário na construção pessoal. Para Levinas, Alteridade é respeito ao outro como outro, e a busca da construção de um eu que se faz só na subjugação do eu-outro, não pode ser um eu autêntico, visto que está negando a si o único meio saudável de se ser um ser, um eu expansivo e infinito. 
Vale aqui lembrar que o conceito da subjetividade como fundamento da realidade perpassa toda a modernidade. Essa lógica capitalista ou industrial quebra o conceito da compreensão do outro como ser para torna-lo uma coisa, um objeto quantificável e descritível. Aqui temos um conceito que representa essa ideia, o que ele chama de “Filicídio” que é o nome do pai no filho. Uma tentativa de extensão do eu do pai no eu do filho. 
A proposta de Emmanuel Levinas é de uma nova relação ética entre o ser e o externo ao ser, para que aconteça uma relação entre ser e ser, e não ser e coisa. Aqui acontece uma diferenciação e junção nos conceitos de ética que seriam entre êthos e éthos. O primeiro Êthos é concebido como a morada do ser, a personalidade e os hábitos; já o Éthos é entendido como costume social, aquilo que se faz no convívio social. Assim, a ética da alteridade é viver a alteridade tanto quanto aos costumes quanto no valor e significado que damos as coisas no privado. O sentido e propósito da unificação ética é a preservação da morte e a luta pela vida para o maior número possível, aqui temos uma junção da alteridade com o pensamento utilitarista[1]
A ética se amplia para uma contextualização do ser com o outro e  os outros no todo que se impõe e nos compõem, porque fora da alteridade eu me fetichizo, me sacralizo e torno possível a utilização do outro para o meu querer, para o meu prazer. Um exemplo contemporâneo é o “ficar”, sem comprometimento ou envolvimento afetivo. O anti-fetichismo pessoal e político é abrir se ao outro para se abrir ao infinito somente possível na relação altera com o outro. A ética altera se politiza (a política é necessária), pois para uma existência ser ética precisa ser política no micro e no macro (sabendo que o macro define o micro – o preço da farinha, por exemplo). A dialética da alteridade levada ao termos irá considerar a condição indivíduo a partir dele e não de um esquema social, por exemplo, a ajuda para um morador de rua não é necessariamente o seu retorno social,                                                                                                                                      aquilo que se considera o padrão.
Para que possamos encerrar nossa textualização dos conceitos centrais de Emmanuel Levinas, uma última proposição é a de bem comum, que segundo ele só pode acontecer na alteridade, só podemos estabelecer o que é bom para o coletivo estabelecendo a alteridade entre ele, para que na compreensão e aceitação do outro se estabelece os parâmetros para o si mesmo em busca do bem comum para todos. Está atitude se torna compreensível quando se entende que o ser humano se define e se constrói historicamente, e é historicamente que precisa definir sua convivência. E a alteridade, o passo necessário, é em nossos tempos o caminho necessário para que possamos construir a melhor convivência possível (existência do infinito) em uma sociedade tão avessa ao cuidado com o outro, e tão avessa em se abrir para outro para conviver e assim existir no melhor possível de si, que é a infinitude relacional como limite. O eu e o outro em conjugação produzem uma existência tão plena quanto ilimitada na elaboração continua de eus e outros na constante experiência de se transcender como ser.



[1] Teoria desenvolvida na filosofia liberal inglesa, que considera a boa ação ou a boa regra de conduta caracterizáveis pela utilidade e pelo prazer que podem proporcionar a um indivíduo e, em extensão, à coletividade.

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