quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Modernidade Líquida

Modernidade Líquida
Para Zigmunt Bauman (1925-2017) entender os dias atuais é se inserir em um processo de reflexão que exige uma certa exclusão conceitual da realidade para a entender e só então atuar/dialogar/existir com uma certa noção de para onde ela está indo e como vamos nós com ela nesse seu destino, que de certo modo e maneira é nosso destino também. “A Sociedade é fruto direto e indireto da atuação do humano nela e sobre ela para fazer-lhe ser o que é”
Modernidade líquida é um conceito elaborado por Bauman para pensar e estudar a estruturação organizacional e relacional do mundo moderno e contemporâneo. Veremos que modernidade líquida não corresponde diretamente a pós modernidade, está relacionado mas não é igual. Modernidade Líquida é caracterizada pela fluidez das relações e do mundo contemporâneo. Modernidade Líquida é conceito sócio histórico de análise da realidade existencial humana surgida da ampla centralização no cientificismo e no capitalismo. Modernidade Líquida se contrapõe ao conceito de modernidade sólida, que se caracteriza pela fixidez/rigidez estrutural das instituições (família, escola, religião, comunidade, Estado), pois ela se caracteriza pela lógica agora, do consumo, lógica do gozo e da artificialidade, é a lógica do fluir para existir (mesmo que isso significa transformar as estruturações institucionais).
Karl Marx caracterizava a modernidade como o processo histórico que derreteria todas as instituições: “Tudo que é sólido desmancha no ar”. O filosofo alemão já preconizava que a estruturação social de seus dias significava o fim dos referenciais existenciais que significaria fazer da vida um projeto individual, que tinha por estrutura a própria condição material e econômica do sujeito, na qual fica alienado e subjugado, visto que perde de vez as possibilidades institucionais e estruturais de transformar a própria realidade. Essa existência, como projeto individual, é direcionada ao consumo, e tem por efeito transformar as relações sociais em mercadorias, que por sua vez, transforma a própria identidade pessoal/existencial/social em mercadoria. Ora, se o trabalho que visa a sobrevivência (modos de produção=motor da história) se torna cada vez mais fluído, líquido, se amoldando as necessidades de mercado em empregos temporários, trabalhos de meia jornada, trabalhos noturnos, trabalhos em casa (home office), especializações e adaptações profissionais; e consequentemente fazendo do trabalhador um ser fluído e sem identidade profissional[1]. O trabalhador fragmentado pelas relações de produção da própria sobrevivência irá se fragmentar ainda mais em suas relações de existência e convivência.
Para Zigmunt Bauman isso já ocorre. As relações pessoais contemporâneas são caracterizadas pelas conexões (que são plurais, frágeis, fluídas, desconectáveis sem perdas e custos). As conexões transformam e reforçam a existência do ser como mercadoria, que pode ser consumido e depois jogado no lixo (significa ser excluído por não ter mais utilidade). As conexões são frágeis porque os sujeitos lidam com um mundo de consumo e de opções para consumo. A existência se perfaz em usufruir de um cardápio com opções (pessoas) de consumo e curtição. Por exemplo, na modernidade líquida o sexo não é união. Sexo é curtição. Conexão sexual é a acumulação de sensações, acumulação de prazeres, acumulação de satisfações instintivas individuais sem muita responsabilidade e comprometimento com o outro.
Modernidade líquida não é um conceito análogo a pós modernidade. Modernidade líquida é um conceito crítico (analítico) da pós-modernidade. Para nosso autor, a pós modernidade é uma remodelação, uma reforma, no edifício da modernidade. Ela faz isso sem mexer em suas bases e estruturas (capitalismo). Reforma que reforça seu poder estrutural, mantendo a estruturação capitalista moderna e modificando as relações nessa estrutura social. Na “Pós” não há uma superação de nada, o que há é uma sequência continua da modernidade sólida para a modernidade líquida, com algumas características diferenciadoras, mas com o núcleo (estrutura) capitalista intocável. A proposta do capitalismo moderno era a de produzir mercadorias, agora a proposta do capitalismo pós moderno é de consumir mercadorias, mesmo que o sujeito se converta ele mesmo em uma.
O conceito “líquido” de Bauman cria ramificações conceituais (obras do autor) como “Modernidade Líquida”, “Medo Líquido”, “Amor Líquido”, “Vida Líquida”, “Vigilância Líquida”, “A Cultura no Mundo Líquido Moderno”, “Tempos Líquidos” e tantas outras que possam representar uma liquidez estrutural (oposição direta as sociedades sólidas ou fixas). Em “Amor Líquido”, por exemplo, trata da fragilidade dos laços humanos, das novas regras de relacionamento em que se prioriza a satisfação imediata em detrimento de qualquer projeto de vida ou respeito e reconhecimento pelo outro. A perda da qualidade das relações recompensada com uma busca de quantidades absurdas de parceiros. A quantidade de amigos que as pessoas costumam ter em redes sociais que são números que ultrapassam 300 ou 500 amigos, algo que seria irreal para uma convivência cotidiana de qualidade. As relações se desenvolvem com aquilo que já se tem, não com aquilo que ambos estão a fim de ter. Não se arrisca mais a amar sinceramente, pois isso significaria se entregar.
O que é preciso pontuar é que esse conceito de líquido não é somente resultado de uma ação estrutural histórica; não é, também, resultado negativo do processo de capitalização da sociedade e convivência humana. Liquido é o resultado direto da ação e determinação humana feita a partir das mudanças e realidades existências que se lhe apresentam, e das escolhas que faz mediante essa mesma realidade, e assim, sua realidade social, em seus aspectos positivos e negativos, é resultado direto de sua ação. E a solução para tal, se é que há, ou se é que seja coerente pensar em solução para com ela. Seria a de podermos compreender e entender seus processos históricos sociais de formação, pois assim já teremos a possibilidade de deliberar sobre a nossa própria existência nessa conjuntura social, o que já nos faz ser e viver melhor que a imensa maioria das pessoas que fazem o que todos fazemos, mas sem nenhuma consciência (ou muito pouca) de suas determinações existenciais.



[1] No mundo líquido não se trabalha “para aposentar”, mas busca-se o aprendizado permanente em diversos cargos de diversas empregas durante toda a carreira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário