Modernidade Líquida
Para Zigmunt Bauman (1925-2017) entender os dias
atuais é se inserir em um processo de reflexão que exige uma certa exclusão
conceitual da realidade para a entender e só então atuar/dialogar/existir com
uma certa noção de para onde ela está indo e como vamos nós com ela nesse seu
destino, que de certo modo e maneira é nosso destino também. “A Sociedade é fruto direto e indireto da
atuação do humano nela e sobre ela para fazer-lhe ser o que é”
Modernidade líquida é um conceito elaborado por
Bauman para pensar e estudar a estruturação organizacional e relacional do
mundo moderno e contemporâneo. Veremos que modernidade líquida não corresponde
diretamente a pós modernidade, está relacionado mas não é igual. Modernidade
Líquida é caracterizada pela fluidez das relações e do mundo contemporâneo.
Modernidade Líquida é conceito sócio histórico de análise da realidade
existencial humana surgida da ampla centralização no cientificismo e no capitalismo.
Modernidade Líquida se contrapõe ao conceito de modernidade sólida, que se
caracteriza pela fixidez/rigidez estrutural das instituições (família, escola,
religião, comunidade, Estado), pois ela se caracteriza pela lógica agora, do
consumo, lógica do gozo e da artificialidade, é a lógica do fluir para existir
(mesmo que isso significa transformar as estruturações institucionais).
Karl Marx caracterizava a modernidade como o
processo histórico que derreteria todas as instituições: “Tudo que é sólido desmancha no ar”. O filosofo alemão já
preconizava que a estruturação social de seus dias significava o fim dos referenciais
existenciais que significaria fazer da vida um projeto individual, que tinha
por estrutura a própria condição material e econômica do sujeito, na qual fica
alienado e subjugado, visto que perde de vez as possibilidades institucionais e
estruturais de transformar a própria realidade. Essa existência, como projeto
individual, é direcionada ao consumo, e tem por efeito transformar as relações
sociais em mercadorias, que por sua vez, transforma a própria identidade
pessoal/existencial/social em mercadoria. Ora, se o trabalho que visa a
sobrevivência (modos de produção=motor da história) se torna cada vez mais
fluído, líquido, se amoldando as necessidades de mercado em empregos
temporários, trabalhos de meia jornada, trabalhos noturnos, trabalhos em casa
(home office), especializações e adaptações profissionais; e consequentemente
fazendo do trabalhador um ser fluído e sem identidade profissional[1].
O trabalhador fragmentado pelas relações de produção da própria sobrevivência
irá se fragmentar ainda mais em suas relações de existência e convivência.
Para Zigmunt Bauman isso já ocorre. As relações
pessoais contemporâneas são caracterizadas pelas conexões (que são plurais,
frágeis, fluídas, desconectáveis sem perdas e custos). As conexões transformam
e reforçam a existência do ser como mercadoria, que pode ser consumido e depois
jogado no lixo (significa ser excluído por não ter mais utilidade). As conexões
são frágeis porque os sujeitos lidam com um mundo de consumo e de opções para
consumo. A existência se perfaz em usufruir de um cardápio com opções (pessoas)
de consumo e curtição. Por exemplo, na modernidade líquida o sexo não é união.
Sexo é curtição. Conexão sexual é a acumulação de sensações, acumulação de
prazeres, acumulação de satisfações instintivas individuais sem muita
responsabilidade e comprometimento com o outro.
Modernidade líquida não é um conceito análogo a pós
modernidade. Modernidade líquida é um conceito crítico (analítico) da
pós-modernidade. Para nosso autor, a pós modernidade é uma remodelação, uma
reforma, no edifício da modernidade. Ela faz isso sem mexer em suas bases e
estruturas (capitalismo). Reforma que reforça seu poder estrutural, mantendo a
estruturação capitalista moderna e modificando as relações nessa estrutura
social. Na “Pós” não há uma superação de nada, o que há é uma sequência
continua da modernidade sólida para a modernidade líquida, com algumas
características diferenciadoras, mas com o núcleo (estrutura) capitalista
intocável. A proposta do capitalismo moderno era a de produzir mercadorias,
agora a proposta do capitalismo pós moderno é de consumir mercadorias, mesmo
que o sujeito se converta ele mesmo em uma.
O conceito “líquido” de Bauman cria ramificações
conceituais (obras do autor) como “Modernidade
Líquida”, “Medo Líquido”, “Amor Líquido”, “Vida Líquida”, “Vigilância Líquida”,
“A Cultura no Mundo Líquido Moderno”, “Tempos Líquidos” e tantas outras que
possam representar uma liquidez estrutural (oposição direta as sociedades
sólidas ou fixas). Em “Amor Líquido”, por exemplo, trata da fragilidade dos
laços humanos, das novas regras de relacionamento em que se prioriza a
satisfação imediata em detrimento de qualquer projeto de vida ou respeito e
reconhecimento pelo outro. A perda da qualidade das relações recompensada com
uma busca de quantidades absurdas de parceiros. A quantidade de amigos que as
pessoas costumam ter em redes sociais que são números que ultrapassam 300 ou
500 amigos, algo que seria irreal para uma convivência cotidiana de qualidade. As
relações se desenvolvem com aquilo que já se tem, não com aquilo que ambos
estão a fim de ter. Não se arrisca mais a amar sinceramente, pois isso
significaria se entregar.
O que é preciso pontuar é que esse conceito de líquido não é somente resultado de uma
ação estrutural histórica; não é, também, resultado negativo do processo de
capitalização da sociedade e convivência humana. Liquido é o resultado direto
da ação e determinação humana feita a partir das mudanças e realidades
existências que se lhe apresentam, e das escolhas que faz mediante essa mesma
realidade, e assim, sua realidade social, em seus aspectos positivos e
negativos, é resultado direto de sua ação. E a solução para tal, se é que há,
ou se é que seja coerente pensar em solução para com ela. Seria a de podermos compreender
e entender seus processos históricos sociais de formação, pois assim já teremos
a possibilidade de deliberar sobre a nossa própria existência nessa conjuntura
social, o que já nos faz ser e viver melhor que a imensa maioria das pessoas
que fazem o que todos fazemos, mas sem nenhuma consciência (ou muito pouca) de
suas determinações existenciais.
[1]
No mundo líquido não se trabalha “para aposentar”, mas busca-se o aprendizado
permanente em diversos cargos de diversas empregas durante toda a carreira.
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