domingo, 29 de setembro de 2019

Idealismo das Ideias – Georg Friedrich Hegel


Idealismo das Ideias – Georg Friedrich Hegel

Poderíamos sem dúvida nenhuma falar de epistemologia[1] antes de Kant e epistemologia depois de Kant, pois, o alemão causa uma nova concepção de conhecer e obter conhecimento, e após ele se fala dele, seja para concordar ou discordar, o que não se pode é o ignorar. Suas contribuições são gigantescas. A filosofia ganha novos traços depois de suas postulações epistemológicas. Segundo Kant estamos presos a uma estrutura perceptiva do mundo, o que percebemos do mundo não é o real, mas o resultado das nossas possiblidades de percepção. Essa capacidade de perceber o mundo é universal, todos nós o percebemos assim, mesmo que essa percepção do que é o real não seja mesmo o real, mas como nós percebemos o mundo. Esse seria o ponto de partida dos pensadores idealistas após Kant.
O caminho da filosofia na sequência das ideias de Kant leva a filosofia para as reflexões dos filósofos que iriam trabalhar as percepções de Kant, a favor ou contra, estes fariam parte da escola denominada de Idealismo Alemão. Eles refletem sobre o pensamento de Kant quando diz que não podemos acessar “as coisas como elas são”, mas só podemos ter o fenômeno dela em nós, “como as coisas são para nós”. Nisso surge as teorias idealistas do Realismo e do Idealismo. No primeiro as ideias são produto da interação do homem com a realidade e no segundo as ideias são projeções ideais que a mente faz da realidade. Para se relacionar com o mundo o humano cria categorias ideais que ajudam e servem como referência para ele se guiar no mundo real, por isso ele cria os conceitos de norte-sul, de bonito e feio, de rápido e devagar, e muitas outras categorias a partir das suas relações com o mundo.
O idealismo é uma maneira de explicar que as coisas reais que existem são determinadas por uma ideia universal anterior. Hegel é reconhecido enquanto um idealista, mas não foi ele o primeiro e nem o único a tentar explicar que as ideias são anteriores às coisas, como fez Platão. Segundo suas teorias (Hegel) não existe algo que seja impossível de ser pensado. Não é possível separar o mundo do sujeito, o objeto e o conhecimento, o universal e o particular. Assim, ele afirma que “o real é racional e o racional é real”. Essa racionalidade é para Hegel resultado de um processo dialético que não é exclusivo da racionalidade, pois está presente em todas as realidades que se nos apresentam. A dialética é o processo de transformação e construção do pensamento e de toda a realidade que circunda o sujeito pensante. Toda a realidade poderia ser compreendida por meio da dialética, alcançando a verdade mais universal por meio dela. A dialética mostra como as ideias contraditórias dependem umas das outras e estão em constante atrito, e esses atritos causam novas realidades e pensamentos. Por exemplo, a dialética do senhor e do escravo é um bom exemplo, dado pelo próprio Hegel. Nessa metáfora, primeiro, o senhor, que é uma consciência, submete o escravo a um objeto. Entretanto, para que o senhor continue como senhor, o escravo precisa reconhecê-lo como tal. Assim, o escravo é ao mesmo tempo objeto e também sujeito: o senhor precisa do escravo para ser senhor. Quando o senhor precisa do reconhecimento do escravo, ele acaba se fazendo também objeto. nisto, as posições de senhor e escravo, sujeito e objeto, são trocadas a todo momento entre eles, como em uma luta incessante, por isso, a dialética é fundamentada na tese e na antítese. Na metáfora do senhor e do escravo, a afirmação de um eu (tese) precisa do reconhecimento do outro, de sua própria negação (antítese). Esse atrito entre a tese e a antítese culmina na síntese, a negação da negação, no desenvolvimento da história. A dialética é, assim, a própria forma como as coisas ocorrem, e é também o meio pelo qual podemos alcançar a verdade. O desenvolvimento da história está na superação das contradições. Veja outro exemplo: “ambos os amores individuais deixam de ser atos unilaterais para serem um único ato que é bilateral. Não importa mais quem pergunta e quem responde, pois ambos os amores iniciais perderam o seu eu individual, o eu e o tu, para significar algo novo, os nós”.
Hegel é um representante da escola idealista alemã[2], e com sua metodologia histórica do pensamento filosófico faz é uma leitura histórica do pensamento ou uma história da filosofia, e, nessa leitura histórica do pensamento procura analisar e explicar como o pensamento humano (uma realidade dialética) aconteceu no decorrer da história até chegar no ápice de si, que seria a consciência do seu desenvolvimento histórico e da dialética suprema de si ou o Espirito Absoluto, como Hegel o chamou. O Espírito absoluto é o pensamento que tem consciência da história, consciência de si e consciência do outro. Hegel tem um propósito, direta ou indiretamente, nessa construção epistemológica, pois ele (com esse pensamento absoluto) vai dialogar com as suas teorias do estado, do pensamento e da realidade, que representam a transformação ou construção da realidade ou de uma dialética da realidade que representa a essência da humanidade muito importante para ele.
O Espírito Absoluto é apresentado em três fases: O SER EM SI (o ser tem consciência de sua existência). O SER PARA O OUTRO (o segundo estágio do ser, quando ele perceber o outro a existência do outro como algo análogo à sua própria existência). Assim, teremos como consequência dialética O SER-PARA-SI que é o ser que surge com a consciência de si e do outro. É o ser que volta para si mesmo depois de saber que existe o si mesmo e que existe o outro, e a partir disso busca se adequar se encaixar e se encontrar no mundo. Esse ser é o que ele chama de espírito absoluto, o espírito absoluto ou a consciência absoluta. Que é quando você tem consciência de si e do outro, e de que formou a sua existência no mundo a partir dessas contradições.
A dialética, presente em todas as realidades e possibilidades humanas possíveis, é o processo Hegeliano de construção e entendimento do mundo. A dialética tem três momentos, o primeiro é o "ser em si", o segundo é o "ser outro ou fora de si" e o terceiro é o "retorno a si ou ser em si e para si". Por exemplo, a dialética na realidade é como a “semente”, ela é em si a planta, mas ela deve morrer como semente e, portanto, sair fora de si, a fim de poder se tornar, a planta para si (ou em si e para si)". A construção da realidade e da verdade é um constante processo entre o ser e o não ser. A conceituação, a construção da realidade pela nossa racionalidade, é algo que vem do nada e tem a possibilidade de ir para o ser e para o nada no processo dialético. Ou nas palavras do autor: "o ser e o nada são uma só e mesma coisa". É da relação de oposição de ser (o que é) e o nada (o que não é) que surgem conceitos como identidade, ideias e pensamentos, pois o ser e o nada são realidades transitórias, instantâneas do pensar, sendo necessário (ocultamente) a existência de um para legitimar o outro.
Para finalizar, é importante salientar que a filosofia de Hegel é de uma importância sem tamanho para o pensamento de Karl Marx, pois ele (Marx) irá basear a sua estrutura dialética do pensamento na teoria dialética idealista de Hegel, fazendo para isso uma inversão da mesma. Marx, influenciado por Schopenhauer, faz uma inversão dos pressupostos de Hegel. Exemplo: para Hegel o apagador real é precedido pelo apagador ideal, que é resultado de um processo dialético do ser e que colocará realidades materiais em contraposição para fazê-lo. Já para Karl Marx o apagador ideal é resultado de uma realidade (necessidade) material que produz uma dialética no mundo e nas ideias para concebê-lo e produzi-lo no mundo. Em Marx a ideia é efeito da realidade material que a causa.
Hegel é o ápice da filosofia de Hegel (nele está o ápice da sua filosofia), e como outros teóricos buscou fazer uma epistemologia das ideias.
Veja alguns aforismos que ele formulou:   
- A mente da mulher não é adequada às ciências mais elevadas.
- Quem quer algo de grande deve saber limitar-se.
- Nada de grande é realizado sem Paixão.
- Escolher entre o bem e o mal é fácil, difícil é escolher entre o bem e o bem.
- O Estado é o fim e os cidadãos os meios.
- O que o homem é, é através da educação e da disciplina.
- O povo é a parte do Estado que não sabe o que quer.
- História é caminhar entre as ruínas do passado.
- A contradição é a raiz de todo movimento.
- A filosofia é o mundo ao contrário.
- Independente é o homem que sabe o que o determina.
- Liberdade é a compreensão das necessidades.
- Os grandes homens foram infelizes.
- Pensar e amar são coisas diferentes.
- Algo é em-si na medida em que, a partir do ser-para-outro, ele regressou a si.
- “[…] o negativo é do mesmo modo positivo”



[1] A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento, e também é conhecida como teoria do conhecimento e relaciona-se com a metafísica, a lógica e a filosofia da ciência. É uma das principais áreas da filosofia, compreende a possibilidade do conhecimento, ou seja, se é possível o ser humano alcançar o conhecimento total e genuíno, e da origem do conhecimento.
[2] Vale salientar que o termo idealismo alemão ou escola idealista alemã são categorias ideias criadas para representar esse moviemento histórico de pensadores que buscaram entender e explicar o próprio pensar humano.

A Revolução do Sujeito Pensante – Emanuel Kant


A Revolução do Sujeito Pensante – Emanuel Kant

A mente que pensa sobre seus pensamentos é uma mente que dá um passo adiante sobre a mente que não pensa seus pensamentos.

Ser pensante se constitui como aquele que é capaz de enquadrar o mundo e se enquadrar como estando nele, enquanto que aquele que pensa sem pensar que pensa ou sem pensar no que pensa, fica limitado a participar da realidade sem nem mesmo perceber que essa realidade existe, que ela não é única e nem que ela é uma construção humana derivativa do seu processo de perceber e aprender sobre o mundo. Eis aqui a revolução do sujeito de Kant, se antes o saber era realizado por categorias externas ao ser (alma/razão/corpo/sentidos) agora é o ser que realiza os processos de conhecimento se valendo dessas categorias que são intrínsecas a sua própria existência.
É provável que haja muito mais que não conhecemos do que aquilo que já conhecemos. Nosso processo de conhecimento está vinculado as nossas capacidades perceptivas e nossas criações para potencializar essa percepção (telescópio, microscópio) do que é e como é o mundo. Ao definir o mundo, o humano acaba por definir a si mesmo, pois essas descobertas do mundo revelam coisas sobre o humano e sobre o mundo do humano. Diante do debate moderno de onde se originaria o conhecimento Emanuel Kant tira o processo de cogito/alma racionalista e dos sentidos sensoriais dos materialistas, ou seja, o conhecimento não é resultado da intelecção da alma e nem resultado da relação do corpo, mas sim algo mais complexo. O conhecimento é processo de desenvolvimento do sujeito (o que Kant faz é tirar o objeto do conhecimento do centro e coloca em seu lugar o sujeito do conhecimento), é o sujeito que aprende. E assim, tal como Nicolau Copérnico tirou a terra do centro do universo até então desconhecido, Kant tira os processos de conhecimentos (meios de conhecimento) do centro e coloca o humano e suas capacidades a priori e a posteriori como fonte real do saber/conhecer humano. O que chamamos de Revolução Copernicana. O que Kant postula é que não é o pensamento que se adapta as coisas (racionalismo e materialismo) e sim as coisas que se adaptam ao pensamento. É a subjetividade do pensante que configura o objeto, pois, o pensamento se configura e se realiza sempre em um contexto de espaço e tempo (nada pode ser percebido fora dessa configuração espacial e consequentemente temporal). O espaço é uma realidade que se apresenta como imanente e inerente a existência e percepção do humano. O tempo é a outra realidade, ele acontece dentro do homem, na sua interação com o espaço.
Na Crítica da Razão Pura, Kant quer compreender o que realmente se pode conhecer, seja a priori (antes da experiência) e a posteriori (depois da experiência). Assim, o aprendizado se dá de maneira processual, os sentidos captam os dados do mundo e os formata segundo o processo a priori do ser (os configura na estrutura de espaço e no tempo, que são intuições cognitivas presentes na mente que coloca o mundo em estruturas organizativas como em cima, embaixo, antes, depois). Conhecer é, nestes processos, transformar as coisas do mundo em si (percebemos o mundo de maneira semelhante devido a universalidade dos nossos processos a priori). A universalidade do processo de conhecimento nos leva a ter certezas sobre a realidade, certezas que ele chama de juízos (juízo analítico e juízo sintético). O primeiro, juízo analítico, é aquele em que as determinações das coisas estão no sujeito, a determinação do redondo, acima, abaixo, extenso, curto, longo. E o segundo, juízos sintéticos (predicado das coisas, o que elas são), que é a determinação se a mesa redonda ou quadrada é de madeira, que a bola redonda é amarela. Os juízos analíticos são a priori e os juízos sintéticos a posteriori. O postulado de Kant é que as definições do mundo e da experiência do mundo estão contidas a priori na mente e que a experiência do mundo (limitada pelas possibilidades dos sentidos do corpo) é complementação do processo que sem ela não existiria.  Estamos presos a uma estrutura perceptiva do mundo, não que o que percebemos seja o real, mas é a nossa capacidade de perceber o mundo. A capacidade de perceber o mundo é universal, todos percebemos de maneiras semelhantes, por isso é provável que essa percepção não seja a percepção do que o real é, mas é como nós percebemos o mundo real, é provável que não coincida o que nós vemos do mundo com o que o mundo realmente é. Não temos como saber, visto que todos dispomos das mesmas capacidades cognitivas e sensitivas, não podemos sair de nós para dizer o que o mundo é sem nós.
O caminho da filosofia posterior as ideias de Kant levam a filosofia para reflexões que iriam trabalhar as percepções de Kant, a favor ou contra, ela iria refletir sobre o pensamento de Kant, quando diz que não podemos acessar “as coisas como elas são”, mas só podemos ter o fenômeno dela em nós, “como as coisas são para nós”. Nisso surge as teorias idealistas do Realismo e do Idealismo. No primeiro as ideias são produto da interação do homem com a realidade e no segundo as ideias são projeções ideais que a mente faz da realidade. Para se relacionar com o mundo a mente humana cria categorias ideais que ajudam e servem como referência para ela se guiar no mundo real, então o homem cria norte-sul, cria bonito e feio, cria rápido e devagar, e muitas outras categorias a partir das suas relações com o mundo.
Assim, a Crítica da Razão Pura é uma análise do entendimento do conhecimento humano tão pertinente que precisa estar presente em um pensamento filosófico sério, isto é, aqueles que vieram após Kant precisam falar de Kant ou levar em conta Kant. Entender os outros teóricos como Hegel, Fitche, Scheling, Marx, Nietsche, Freud, Foucault e outros, passa a ser obrigatório saber o que é o fenômeno e que é numeno, seja para validar ou para contrariar, ou mesmo fazer um meio termo, seria preciso que os sujeitos pensantes levassem em conta a própria revolução cognitiva que é a epistemologia feito a partir do sujeito do saber.