segunda-feira, 20 de março de 2017

Empirismo: a experiência do conhecimento pela experiência

Empirismo: a experiência do conhecimento pela experiência

Para René Descartes o conhecimento é algo que acontece a partir do próprio ser, mesmo não havendo de fato um ser, o desenvolvimento do conhecimento e da verdade se dá a partir do cogito (da dúvida) e com ela como amparo (método cartesiano) busca se fugir dos enganos comprovados na construção do conhecimento, sendo a dúvida e o método, fundamentado no cogito a fonte do saber e da verdade. A teoria alternativa, contraditória e contemporânea de Descartes nessa mesma busca é a do Empirismo, Francis bacon (1561-1626) tem nos sentidos, a priori rejeitados por Descartes, a fonte primordial do saber. Teremos a partir de então toda uma construção filosófica de busca de comprovação e fundamentação dessa proposta, passando por John Locke, Thomas Hobbes e David Hume, até que em Emmanuel Kant esse processo de conhecimento e aprendizagem ganhe novos contornos.
O Empirismo consiste em uma teoria epistemológica que indica que todo o conhecimento é um fruto da experiência, e por isso, uma consequência dos sentidos. A experiência estabelece o valor, a origem e os limites do conhecimento. Diferentemente das teorias das ideias a priori (inatismo), os filósofos empiristas postulavam que nossas ideias derivam da percepção de nossos sentidos, e que por isso se formam pela experiência. O que acontece aqui é que a sensibilidade, que para os racionalistas (como Platão, Descartes, Espinosa) ocultava a realidade, para os empiristas (bacon, Locke, Hobbes, Hume) era o meio de revelá-las. Algo surge em comum aqui, tanto para os empiristas como para os racionalistas, o conhecimento não é mais algo que de fora se espelha em nós, mas é uma operação construída por nossa mente ou por nossos sentidos. E nessas possibilidades de saber, a Filosofia Moderna, está determinando que conhecemos apenas o que pode ser percebido pelo sujeito, como as coisas se manifestam na consciência ou sentido. Para Francis Bacon, o saber não é mais contemplação e fruição espiritual, mas uma atividade prática, ativa, intencionada para a busca do poder (saber é poder) sobre a natureza “o conhecimento deve ser obtido para gerar controle sobre a natureza”. Não importa mais conhecer o mundo, é preciso agora dominá-lo, e para isoo é fundamental que se estabeleça novos métodos de estudo e compreensão da realidade, o que ele denomina de novo organon, em contraposição ao orgnanon aristotélico que se apoiava na dedução para desvelamento da verdade. O método Baconiano é o da indução (experiência – observação – regularidade – análise – generalização) que para ser efetivo precisa se livrar dos ídolos (da tribo, da caverna, do foro e do teatro). Para Thomas Hobbes (1588-1679) alinhado com Bacon e em contrariedade com Descartes, toda representação da realidade é o resultado dos efeitos que os corpos provocam sobre nossos sentidos. Ele desenvolve um conceito muito interessante como o de que os “nomes” que nós utilizamos para nos comunicar com as coisas e a respeito das coisas, não são substâncias e não manifestam a natureza íntima das coisas, são antes, sinais dos pensamentos que temos e instrumentos de comunicação sobre esses pensamentos.
John Locke (1632-1704), também empirista, escreve o livro Ensaios sobre o Entendimento Humano, e nele desenvolve o conceito de que a mente não é uma substância pensante e que não possui ideias inatas, ela é como uma tabula rasa (folha em branco) nas quais os objetos e experiências deixam suas impressões, registram sua imagem, formando as ideias a partir da realidade concreta. As ideias são objeto do intelecto, mas são um instrumento para o desenvolvimento e significação da realidade. A metafisica segundo Locke é entulho, visto que tem “existência” mas não tem utilidade, já que não tem materialidade e se torna uma decorrência de ideias sem objeto, pensamento sem corpo. Na produção do conhecimento a realidade nos apresenta duas condicionantes no processo do saber, que são as impressões e interpretações. A primeira é a marca deixada naquele que experimenta, um saber adquirido na experiência, e a segundo é as interpretações que são dadas ao processo de experimentação, que é em si um processo de acumulação de um novo saber a partir de outros saberes já experimentados e interpretados. Em David Hume (1711-1776) temos que todo o conhecimento tem origem na experiência, sendo os dados ou impressões sensíveis as suas unidades básicas. Hume defende que existem impressões e ideias que se distinguem quanto ao grau de força e vivacidade. Assim, as impressões são percepções vivas e mais fortes do que as ideias que são percepções fracas ou menos vivas. Como empirista, ele rejeita a existência das ideias inatas porque as ideias sucedem-se às impressões. “As impressões são as causas das nossas ideias e não as nossas ideias das nossas impressões”. Todas as nossas ideias derivam de uma impressão sensível. A toda e qualquer ideia tem de corresponder uma impressão porque as ideias são imagens/cópias das impressões. No Empirismo de Hume as experiências que temos são determinadoras dos pensamentos e sentimentos, o choque de corpos é produtor de conhecimento. Na verdade o escocês David Hume radicaliza ainda mais a filosofia empirista pensada por Bacon, Hobbes e Locke. Alinhando se com Locke, Hume combate as teorias das ideias inatas e mostra que as percepções da mente se dividem em duas formas, que são impressões e ideias, sendo as impressões percepções mais fortes e que tem em si não apenas as sensações externas, mas também as internas (sentimentos, paixões, desejos), e as ideias por seu mérito são uma resultante da impressão, que a medida que se distanciam da experiência perdem a força. Assim, as ideias não pertencem a experiência, mas são a resultante das mesmas, aquilo que fica. E nessa perspectiva, David Hume irá elaborar uma reelaboração dos conceitos do processo de conhecimento empírico. O que nós captamos é uma série de fluxos de impressões e ideias, esse fluxo apresenta frequência e regularidade, e essas frequências e regularidades criam as percepções que se apresentam a nós, que acabamos por imaginar a existência de um princípio que estaria na base da coesão daquelas percepções frequentes e regulares. Na epistemologia de Hume, qualquer certeza desaparece diante das percepções, impressões e ideias. O sujeito deixa de ser um pressuposto evidente e se torna uma imagem passageira, um nome que pode ser substituído por outro sem alteração. A impressão/crença que temos na existência das coisas como imutáveis e organizadas é fruto de uma imaginação/pensamento que precisa colocar uma determinada ordem no mundo para se orientar e viver nele com estabilidade. Ele estabelecerá a impossibilidade de conhecer a substância/essência das coisas visto que a experiência com as mesmas não viabiliza tal percepção. As proposições principais de Hume sobre os limites da ciência são: Tempo e Nitidez=> que é ação do tempo sobre o efeito dos efeitos deixados pela experiência no ser (lembrando que para Hume não há eu). A medida que o tempo passa a experiência e o conhecimento advindo da mesma se torna tanto quanto menos eficaz e eficiente. Percepções Particulares=> as coisas são percebidas nas suas particularidades, sejam árvores, bananas, pedras. Elas ganham significações particulares, mesmo que similares as de outros, e também essas percepções particulares acabam gerando generalizações (ideias similares sobre as coisas particulares). É aqui Hume também alerta, ao contrário de Bacon, que não há como ignorar a subjetividade nesse processo cognoscível. Relação com as Palavras=> há uma complicação no processo epistemológico devido a imperiosa necessidade do uso das palavras para descrever as experiências. As palavras são meio termo para descrever as experiências. Eu tenho uma experiência de chuva que é uma coisa, e eu preciso descrever a experiência até mesmo para perceber a experiência, e nesse processo de descrição da experiência eu saio da experiência para falar da experiência, e acabo por ter dois momentos da experiência, o que ela é em si e como eu a descrevo representativamente em mim. O Problema da Causalidade=> porque observarmos que o evento (A) tem sido sempre, até ao presente, sucedido pelo evento (B), acreditamos que da próxima vez que ocorrer (A) sucederá (B), e desta forma inferimos uma relação necessária entre causa e efeito pelo fato de nos termos habituado a constatar uma relação constante entre fatos semelhantes ou sucessivos. Só que é apenas o hábito ou costume que nos permite sair daquilo que está imediatamente presente na experiência em direção ao futuro. A ideia de relação causal, de uma conexão necessária entre dois fenómenos (“sempre foi assim, sempre será assim”), é uma ideia da qual não temos qualquer certeza sensível. Como o critério do estabelecimento de uma verdade de um conhecimento factual é o acontecimento desse conhecimento factual e o mesmo por mais que já tenha acontecido no passado não aconteceu ainda no futuro, não temos legitimidade para falar de uma relação causal entre dados da nossa experiência. O futuro é uma inferência causal condicionada as experiências do passado, em outras palavras, não podemos empiricamente projetar o futuro pelo passado. O princípio de causalidade, considerado um princípio racional e objetivo, nada mais é do que uma crença subjetiva, um produto de um hábito, o desejo de transformação de uma expectativa em realidade. A causalidade é a conjunção constante da experiência de causa e efeito. A Negação Metafisica=> a metafisica não tem lugar físico na epistemologia humana, dado a composição corporal e suas possibilidades (fosse outro tipo de corpos, com outros instrumentos sensoriais seria outra história), e também pela impossibilidade da metafisica criar verdades. Por exemplo, a matemática não é capaz de proporcionar métodos de descoberta de verdades, a matemática é simbólica, representação de realidades empíricas como as fórmulas, a exemplo da fórmula do cálculo de energia e=m.v, contudo a correta elaboração matemática não produz nenhuma realidade a partir de si. Outro exemplo, o nascimento do Sol amanhã, posso matematicamente explicar e expressar esse acontecimento que já ocorreu milhões e milhões de vezes, mas não posso comprovar matematicamente que acontecerá outra vez. Lembrando Hume, a repetição dos fenômenos nos leva a inferir uma naturalidade causal para os fenômenos, principalmente da natureza.
Os filósofos empiristas são de uma importância sem tamanho na história do pensamento humano e, no desenvolvimento histórico humano em todas as esferas que se for possível pensar. É aqui no empirismo, análise e compreensão do mundo partindo do próprio mundo, que teremos um dos mais significativos acontecimentos da história, a invenção da ciência, que irá revolucionar a existência do homem em todas as esferas existentes até chegar em nós, herdeiros desse processo, que nos utilizamos de todo esse processo, toda essa forma de pensar e saber, mesmo sem ela conhecer. Isso só comprova a força dessa teoria e como ela é fundamental para o desenvolvimento da teoria subsequente a ela, a construtivista, que está, esta sim, encarnada em nós, presente em nossa concepção de conhecimento, tanto que na leitura do empirismo aqui apresentado tivemos divergências epistemológicas por estarmos habituados a uma outra estrutura cognoscitiva. Logo mais abordaremos Emmanuel Kant e as novas estruturas do conhecer e do pensar o pensar.


domingo, 12 de março de 2017

Sociologia no Brasil

Sociologia no Brasil
A Sociologia surge no Brasil como pensamento sociológico, como uma pratica social em busca de respostas sobre a organização social do Brasil colonial e as mudanças sociais ocasionadas antes da independência e abolição da escravidão e depois das mesmas. Desde 1808 com a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil, e junto com essa vinda um amalgamado de situações subsequentes para garantir a corte uma condição social econômica favorável no nosso país. Temos, a partir, de então um exponencial crescimento que foi gerador de uma transformação social e cultural, causadores de transformações que os escritores, poetas, professores, sociólogos no Brasil e no mundo procuraram entender e explicar.
 A sociologia no Brasil surge com uma influência externa muito forte, tanto pelos brasileiros que se formavam na Europa e traziam as influencias dos pensadores e sociólogos europeus e americanos que vem ao Brasil para pesquisar ou lecionar nas faculdades que aqui vão surgindo. Vejamos alguns desses traços sociológicos em produções nacionais consagradas.
José de Alencar (1829-1877) apresentou em suas obras um esforço para produzir um conhecimento e reconhecimento nacional, em obras como o Guarani, Iracema, Guerra dos Mascastes, Ubirajara, O Sertanejo, Senhora e outros, buscando apresentar um Brasil e suas muitas facetas, suas riquezas culturais e étnicas. Joaquim Nabuco (1849-1910) foi político, diplomata, historiador, jurista e jornalista lutou por um estado laico por entender que a Igreja Católica não favorecia o Estado Brasileiro, em um discurso no plenário declarou: “A Igreja Católica, apesar do seu imenso poderio em um país ainda em grande parte fanatizado por ela, nunca elevou no Brasil a voz em favor da emancipação”. Aqui temos uma luta ideológica por um vislumbre sociológico de um novo Brasil. Euclides da Cunha (1866-1909) com obras consagradas como Os Sertões e Canudos, procurou apresentar os regionalismos do Brasil e sua luta para o entendimento de um país a parte de Portugal. Caio Prado Junior (1907-1990) tem em A Formação do Brasil Contemporâneo seu mais reconhecido trabalho, que juntamente a muitos outros buscam fazer uma análise, com forte influência no pensamento marxista, das disparidades sociais na formação do novo Brasil, onde procura apontar as causas sociais, ideológicas e históricas para a divisão da sociedade brasileiras em classes sociais e econômicas distintas, com fortes demarcações raciais. Sergio Buarque de Holanda (1902-1982) foi um importante jornalista, sociólogo e historiador brasileiro nascido em São Paulo, um dos maiores intelectuais brasileiros do século XX, que tentou interpretar o Brasil, sua estrutura social e política, a partir das raízes históricas nacionais. Teve como principal trabalho sua obra Raízes do Brasil, texto que consiste de uma compreensão e interpretação do processo de formação da sociedade brasileira. Tendo como tese central o legado personalista da experiência colonial. No seu conceito de homem cordial tematizou a característica central do povo brasileiro em lidar com a esfera pública, política e social de forma racional e impessoal, dando ênfase a afetividade (traço presente ainda hoje quando se vota em pessoas não em propostas) para estas decisões. Gilberto Freyre (1900-1987) um autor de grande produção acadêmica, histórica, sociológica e política; procurou apresentar os regionalismos culturais do Brasil, rejeitou veementemente a cultura e a política do branqueamento nacional, ele apresentou o Brasil como uma democracia racial, país onde as misturas de raças deu certo, fazendo comparações diretas com a mistura de raças nos Estados Unidos. Em seu livro Casa Grande e Senzala afirma que a Democracia Racial no Brasil é possível graças ao bom senhor de escravos (Casa Grande) e a conformação do escravo negro brasileiro (Senzala) com sua condição, traça no livro a relação recíproca e positiva entre essas duas raças. Recebeu diversas críticas ao seu conceito de Miscigenação positiva, que fazia do Brasil uma nação ímpar, visto que essa miscigenação era sempre imposta pelo homem branco (estupro), enquanto a mulher branca não se envolve com o homem negro ou indígena. A outra crítica forte é a condição social desses miscigenados na sociedade brasileira, ficando eles subjugados econômica, social e culturalmente. Para fecharmos essa breve apresentação de autores ou sociólogos brasileiros, que tiveram participação direta ou indireta na construção do pensamento sociológico brasileiro, falemos de Florestan Fernandes (1920-1995), e aqui temos o mais influente dos sociológicos citados. Florestan tem um grande conjunto de obras sobre a sociologia brasileira e diversos estudos sobre a realidade da sociedade brasileira. Teve uma grande atenção com as divisões sociais e econômicas no Brasil, partindo do conceito marxista de divisão e luta de classes, amplia seu leque cientifico para perceber que no Brasil esta luta ou divisão tem o fator racial como fortemente preponderante, analisou isto na sua obra A integração do negro na sociedade de classes de 1964. Florestan foi sem dúvida o pensador mais profícuo na sociologia brasileira, e não por menos, estará presente em futuras abordagens que teremos sobre essa ciência que se nos desvela como importante para o conteúdo escolar, e principalmente para compreender as estruturas sociais, políticas, econômicas, raciais e principalmente ideológicas de formação dessa nossa maravilhosa Nação (minha opinião).
Fizemos aqui um brevíssimo recorte sobre os diversos autores brasileiros que contribuíram para o desenvolvimento de um pensamento sociológico brasileiro e em sequência a uma sociologia brasileira que nos ajudará a entender nossa formação nacional e a origem de nosso estigma de país inferiorizado perante outras nações (nosso corriqueiro hábito de comparar o Brasil para depreciação dele em relação a outras nações). Nesse recorte não citamos a participação de sociólogos estrangeiros que contribuíram trabalhando aqui, Levi Strauss , ou que estiveram aqui para palestrar, pesquisar (Jean Paul Sartre e Michel Foucault). Enfocamos em autores nacionais e suas contribuições diretas ou indiretas para essa ciência que o Ensino Médio nos permite ter um primeiro contato. Nossa intenção futura será de desenvolver uma interpretação do Brasil pelo Brasil, fazer um esforço de reflexão sociológica para entender a sociedade brasileira e suas formações sociais, econômicas, políticas e ideológicas. E uma questão muito interessante para se abordar será a concepção predominantemente marxista abordada no Brasil e suas consequências, e partir dessa concepção pensar como teria sido, ou poderia ser, uma abordagem weberiana ou durkheimiana da sociedade brasileira


Corpo e Sociedade: Michel Foucault e o saber poder

Corpo e Sociedade: Michel Foucault e o saber poder
A história da filosofia, e consequentemente da sociologia, nos conta de pensamentos e seus pensadores e as subsequentes evoluções, rejeições, transformações, aperfeiçoamento dos próprios pensamentos e suas consequências sobre o homem e sua existência. E hoje vamos pensar sobre um pensador que pensou todo esse processo de pensar o pensar e estabeleceu novos paradigmas cognoscitivos e existenciais. Em Michel Foucault, poderemos ver que suas proposições racionais modificam a concepção de pensamento e das condições de existência e convivência a partir das mudanças propostas. E não temos outra alternativa, ao pensar na vida em sociedade, senão em investigar e aprender como e o porquê do nosso “eu” e o nosso “nós” serem do jeito que dizemos que é.
O francês Michel Foucault fará um trabalho de arqueologia do saber e os estabelecimentos da verdade como verdades sempre em formação histórica e sempre constituída da elaboração histórica do homem a respeito dela. A verdade de uma época mítica, grega, medieval, moderna ou contemporânea tem em comum aquele que as pensa, o ser humano. Claro que há evolução de teorias e pensamentos, mas o que Foucault procura investigar e resgatar é a presença do homem como aquele que reveste a verdade de realidade e que dá a ela o que ela antes não tinha, existência. E aqui temos nossa primeira constatação Foucaultiana, “Não existe verdade”. A verdade é uma produção humana condicionada a regimes históricos de produção de verdade, o homem é, ele mesmo o definidor da verdade. A religião, as ciências, as políticas, a academia, a econômica tem regras e regimes de produção do conhecimento, o que já denota que o conhecimento que elas produzem não estava lá antes de ser produzido, e que o produzido está estabelecido numa estrutura especificada de produção de saber. Exemplo, Descartes e o cogito são uma estrutura de pensar que condicionam o saber a métodos específicos de comprovação e validação da nova estrutura do pensar, se antes a verdade era estabelecida pelo cosmos ou por Deus, em Descartes é a dúvida a primeira instância validadora do saber.
Foucault irá nos mostra em sua obra As Palavras e as Coisas que o homem é um objeto histórico do Iluminismo:
“(homem) é uma invenção recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra de nosso saber”
“As humanidades, portanto, não são nada mais do que ciências da reduplicação: tratam-se de saberes que procedem mediante a transposição dos conteúdos empíricos para o campo transcendental”.
Partindo deste conceito de produção de verdades ou discursos de verdade, o que se denominou de Arqueologia e Genealogia dos discursos de saber, podemos avançar para pensar porque o saber é poder, e assim perceber que todo discurso de saber carrega em si um poder “saber poder” de fazer acontecer ou legitimar alguém ou uma estrutura para que faça acontecer.
O poder é ideológico, é fruto de um regime de produção de verdade, o poder é discurso de verdade de um campo especifico que a legitima e a valida como saber poder que precisa ser absorvido. Assim, a realidade que se apresenta não é uma verdade, é uma construção de discursos legitimados e legitimadores da mesma, uma oficialização de uma condição de dominação corporal, psicológica, emocional, econômica, política ou religiosa.  São verdades formatadas especificamente na esfera da microfísica do poder (nos discursos diários e pessoais entre as pessoas como um espelhamento de uma "verdade" transcendente que advém da realidade). O que Foucault propõem é que diferentemente do que se julga ser no senso comum que o poder vem de baixo para cima, o poder é presente, ele é imanente, o poder não vem de cima para baixo, mas antes se perfaz em toda as estruturas relaçionais da sociedade. As práticas discursivas (oficiais) e as práticas extras discursivas (não oficiais), que compõem os mecanismos de relação de poder (como agir, falar, comportar), que determinam na prática a motivação para estar na sociedade. A prática extra discursivas (dia a dia) é a produtora e legitimadora do discurso oficial dominador que condiciona os corpos a serem corpos dóceis e úteis socialmente (estuda-se para escravizar o corpo aos modos oficiais de saber e de poder, e isso é plenamente positivo).
O poder é político, todo saber é político e tem sua gênese em relações de poder. No seu livro Vigiar e Punir, ele analisa o controle social psíquico ou ideológico, que é realizado sobre presos na prisão projetada por Jeremy Bentham (Pan óptico), que seria uma torre elevada e vedada para quem vê de fora, mas que tem ampla visão de todas as celas. Segundo Foucault, essa condição adestra e condiciona os comportamentos. Onde Foucault irá projetar as sociedades de controle, espécies de big brothers, sempre observando.
Karl Marx aponta a Mais Valia como a exploração do trabalho do proletário, Foucault dois séculos depois verá nessa relação uma exploração mais grave e abrangente, apontará o proletário como escravo que adoece se ninguém o escravizar, o já conhecido discurso de “estudar para ser alguém na vida”, que interliga o conceito de trabalho oficializado a identidade oficializada (reconhecimento social). O que se ignora é o que Foucault aponta como resolução obvia nas relações de poder, que seria o conceito de que não existe nenhuma relação de poder sem um polo de resistência. O poder não é uma substância que um tem e outro não tem, o poder é dinâmico entre dominantes e dominados (mas se estende entre dominantes e dominantes e dominados e dominados), para um existir é necessário existir o outro, há uma vontade do dominante e do dominado em manter sua condição.  É preferível manter que lutar para transformar a relação. O que fica oculto nessa relação é que o dominante é dependente do dominado e precisa dele para permanecer como dominante, jamais poderá dizer para o dominado “vou destruí você”, pois isso seria destruir a si mesmo. Já o dominado pode subtrair o poder do dominante por três vias: pular de uma janela e extinguir a dominação. Tomar o poder por meio de uma revolução ou tomar o poder ilusoriamente, que é a ação de transformação e a resistência que se exerce nas relações de poder entre dominador e dominado, com fins de subverter as forças ideológicas, criando novas estruturas de relação poder. Se o saber é poder e se perfaz em saber poder, e consequentemente em discurso de verdade, é preciso elaborar uma estilística da existência, que é dar a si próprio uma forma de existência, e se perceber e identificar como seres temporais e históricos. Para Foucault não há relação de poder entre sujeitos livres, o poder precisa de discursos de verdade e para isso cria a necessidade de leis que são verdades construídas de acordo com a necessidade do poder. Se o poder precisa da produção de discursos de verdade, tomar o poder é construir discursos de saber poder que se oficializem e se façam sobrepor as verdades prevalecentes socialmente. Não há aqui uma proposta de revolução social por outros meios ou algum tipo de revolução intelectual, mas sim a proposta de Foucault de o dominado se perceber na relação dominada e se libertar das amaras ideológicas e psicológicas dessa opressão.
Agora podemos propriamente entrar no tema que nos interessa sociologicamente, que é a relação do corpo na sociedade. Tendo como referência o saber poder, discurso que legitima as relações, Foucault aponta o poder como aquele que sujeita os corpos, dirige gestos e rege comportamentos. O corpo é uma realidade política, e segundo Herbert Marcuse, as estruturas oficiais de poder perfazem uma Anatomia Política, que é o trabalho sobre os corpos para docilizá-los para a exploração. A existência pessoal acontece concomitantemente com a existência social, e é o nosso corpo a instância legitimadora da existência interior, pois não somos seres incorpores vagando por ai. Assim, o que o outro sabe sobre nós está inscrito em nossas manifestações físicas que vão desde o formato corporal a roupa, estilo, gesto, movimentos. Tudo que fazemos com o corpo diz algo sobre nós, até mesmo o não fazermos como oposição aos que fazem (academia, por exemplo). A questão é que este corpo estando inscrito na esfera social, sofrerá como nós sofremos em nosso ser (a palavra aqui não tem um tom negativo), as influências e exigências sociais. Reflita: quando a sociedade pune algum cidadão o pune por algo feito pelo mesmo levando em conta sua intenção, desrespeito, maldade, descontrole, desequilíbrio, imprudência, violência e outros. Como são instâncias do ser da pessoa, da esfera interior e a sociedade não pode acessar diretamente, a punição se dá majoritariamente sobre o corpo, pois esse está acessível e representa o ser da pessoa em questão. Assim temos que a sociedade atua sobre o indivíduo para alinhá-lo a si, e disporá dos artifícios necessários para realizar tal intento. Voltando a Herbert Marcuse, em seu livro Eros e Civilização, ele diz “A manipulação da consciência que tem ocorrido em toda a órbita da civilização industrial contemporânea foi descrita nas várias interpretações de “culturas populares” e totalitárias: coordenação da existência privada e pública, das reações espontâneas e solicitadas. A promoção de atividades ociosas que não exigem empenho mental, o triunfo das ideologias anti-intelectuais, exemplificam a tendência”[1]. Há um controle ideológico sobre a decisão de um indivíduo mesmo quando ele decide decidir contra esse controle ideológico, pois ao negar o controle ideológico, ele primeiro o legitima.
É como nos movimentos de gênero sexual nos quais se busca a legitimação do casamento entre eles, sejam eles quem forem e como escolham se unir, essa busca de legitimidade é na verdade validadora do regime de poder que os oprime e os excluem. É verdade que tem nomes de direitos da pessoa, mas é perda do direito de ser. Foucault é um crítico visceral dos Direitos Humanos, pois os mesmos legitimam o poder opressor como legítimo, apesar da opressão. “Direito humanos é um dispositivo inventado no século 18 que garante que as pessoas não tenham esse direito”. Veja um discurso de Foucault sobre os governos e os direitos:
"Na medida em que pretendem ocupar-se da felicidade das sociedades, os governos se arrogam o direito de inventariar os ganhos e as perdas, a infelicidade dos homens, que suas decisões provocam ou que suas negligências permitem. Constitui um dever dessa cidadania internacional de sempre fazer valer aos olhos e ouvidos dos governos as infelicidades dos homens em relação às quais não é verdade que eles não são responsáveis. A infelicidade dos homens não deve jamais ser um resto mudo da política. Ele funda um direito absoluto de se insurgir e de interpelar aqueles que detêm o poder." (Texto Contra os governos: direitos humanos)[2] 
Em seu livro Vigiar e punir, Foucault aponta o lugar do corpo no processo social de relações de poder, saber poder e discursos legitimados:
“Mas o corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. Este investimento político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à sua utilização econômica; é numa boa proporção, como força de produção que o corpo é investido por relações de poder e de dominação; mas em compensação sua constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema de sujeição (onde a necessidade é também um instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e utilizado), o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso”[3]
Assim, temos que a relação entre o corpo e sociedade se dá em imposição da segunda sobre o primeiro, ficando o mesmo sujeito as condicionantes para ser um corpo, e tendo suas possibilidades de se manifestar inscritas na própria estrutura social, e no conceito de poder saber político de Foucault, até mesmo as manifestações de contrariedade, rebeldia corporal, auto inscrição anatômica, tem por referência direta as padronizações corporais, assim essas atitudes acabam como reforçar e legitimar as padronizações. Teria uma saída para a dominação corporal ou Anatomia Política? Tanto em Marcuse (Escola de Frankfurt) como em Foucault, somente o saber que se perfaz em saber poder poderá ser produtor de um discurso de um saber poder político que se legitimará em discursos de saber poder construtores de novas estruturas de verdade, pois serão essas verdades as mobilizadoras de novas verdades políticas que se instituirão sobre o corpo e que determinarão uma nova anatomia política. Agora veja que a saída para o problema é uma entrada no processo de produção dele mesmo, a busca aqui, é compreender e apresentar uma pluralidade de verdades sobre o corpo, variadas enunciações de verdades sobre o corpo, por exemplo, corpos disciplinados, excluídos, delinquentes, enlouquecidos, patologizados e outros.
É fundamental que possamos compreender as múltiplas ideias e conceitos sobre enunciação da palavra corpo, e sobre a qual inúmeras formações discursivas se desenvolvem (por exemplo, a biologia, a psicologia, os esportes, a medicina, a religião, a acupuntura, a astrologia), e agora o novo sujeito sujeitado a sociedade tem consciência da sua sujeição e das condicionantes da sua sujeição corporal e das condicionantes das produções ideológicas que são legitimadoras dos saberes oficiais e que se fazem oficializadoras dos discursos que são oficiais.  
resumindo esse aglomerado de ideias e saberes que buscam explicitar e explicar o curso da produção de discursos oficiais que determinam uma existência legitimada no meio social segundo os discursos oficiais. Podemos aqui, no mínimo, aprender que as verdades que nos são verdades são verdades instituídas por discursos autorizados e autorizadores que se impõem sobre nós exigindo sempre uma resposta, e aqui é o pulo do gato (Foucault), toda vez que respondemos aos discurso oficial (se é que é possível não responder), a favor ou contra, aceitando ou contrariando, ou mesmo ignorando, nós o legitimamos. E nessa relação corpo e sociedade podemos pensar nossa condição existencial como ser corporal (só corporal ou também ser metafisico) e munidos com um novo saber pensar a possibilidade de produção de um novo saber que se perfaça em saber poder, que mesmo que não seja um saber poder político, que possa ainda assim nos libertar da dominação cega, pois o próprio reconhecimento da dominação já é um sinal de que tal condição está por mudar, de que tal discurso legitimado não é mais legitimador de uma condição de dominação. Assim, fiquemos com o conceito presente no pensamento de Foucault, o saber é uma ferramenta que se usa para entender o processo de fazimento do saber que é também o produtor da ferramenta que possibilita produzir o saber e ao mesmo tempo entender o processo de produção do saber e da ferramenta que possibilita entendê-lo.



[1] Eros e Civilização, Hebert Marcuse, página 52.
[2] http://rogeliocasado.blogspot.com.br/2013/04/foucault-face-aos-governos-os-direitos.html
[3] Vigiar e Punir, Michel Foucault, página 27.