Corpo e Sociedade: Michel Foucault e o
saber poder
A
história da filosofia, e consequentemente da sociologia, nos conta de
pensamentos e seus pensadores e as subsequentes evoluções, rejeições,
transformações, aperfeiçoamento dos próprios pensamentos e suas consequências
sobre o homem e sua existência. E hoje vamos pensar sobre um pensador que
pensou todo esse processo de pensar o pensar e estabeleceu novos paradigmas cognoscitivos
e existenciais. Em Michel Foucault, poderemos ver que suas proposições
racionais modificam a concepção de pensamento e das condições de existência e
convivência a partir das mudanças propostas. E não temos outra alternativa, ao
pensar na vida em sociedade, senão em investigar e aprender como e o porquê do
nosso “eu” e o nosso “nós” serem do jeito que dizemos que é.
O
francês Michel Foucault fará um trabalho de arqueologia do saber e os
estabelecimentos da verdade como verdades sempre em formação histórica e sempre
constituída da elaboração histórica do homem a respeito dela. A verdade de uma
época mítica, grega, medieval, moderna ou contemporânea tem em comum aquele que
as pensa, o ser humano. Claro que há evolução de teorias e pensamentos, mas o
que Foucault procura investigar e resgatar é a presença do homem como aquele
que reveste a verdade de realidade e que dá a ela o que ela antes não tinha,
existência. E aqui temos nossa primeira constatação Foucaultiana, “Não existe
verdade”. A verdade é uma produção humana condicionada a regimes históricos de
produção de verdade, o homem é, ele mesmo o definidor da verdade. A religião,
as ciências, as políticas, a academia, a econômica tem regras e regimes de
produção do conhecimento, o que já denota que o conhecimento que elas produzem
não estava lá antes de ser produzido, e que o produzido está estabelecido numa
estrutura especificada de produção de saber. Exemplo, Descartes e o cogito são
uma estrutura de pensar que condicionam o saber a métodos específicos de
comprovação e validação da nova estrutura do pensar, se antes a verdade era
estabelecida pelo cosmos ou por Deus, em Descartes é a dúvida a primeira
instância validadora do saber.
Foucault
irá nos mostra em sua obra As Palavras e
as Coisas que o homem é um objeto histórico do Iluminismo:
“(homem) é uma invenção recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra de nosso saber”
“(homem) é uma invenção recente, uma figura que não tem dois séculos, uma simples dobra de nosso saber”
“As humanidades, portanto, não são
nada mais do que ciências da reduplicação: tratam-se de saberes que procedem
mediante a transposição dos conteúdos empíricos para o campo transcendental”.
Partindo deste
conceito de produção de verdades ou discursos de verdade, o que se denominou de
Arqueologia e Genealogia dos discursos de saber,
podemos avançar para pensar porque o saber é poder, e assim perceber que todo
discurso de saber carrega em si um poder “saber poder” de fazer acontecer ou
legitimar alguém ou uma estrutura para que faça acontecer.
O
poder é ideológico, é fruto de um regime de produção de verdade, o poder é
discurso de verdade de um campo especifico que a legitima e a valida como saber
poder que precisa ser absorvido. Assim, a realidade que se apresenta não é uma
verdade, é uma construção de discursos legitimados e legitimadores da mesma, uma
oficialização de uma condição de dominação corporal, psicológica, emocional,
econômica, política ou religiosa. São verdades formatadas especificamente
na esfera da microfísica do poder (nos discursos diários e pessoais entre as
pessoas como um espelhamento de uma "verdade" transcendente que advém
da realidade). O que Foucault propõem é que diferentemente do que se julga ser
no senso comum que o poder vem de baixo para cima, o poder é presente, ele é
imanente, o poder não vem de cima para baixo, mas antes se perfaz em toda as
estruturas relaçionais da sociedade. As práticas discursivas (oficiais) e as práticas
extras discursivas (não oficiais), que compõem os mecanismos de relação de
poder (como agir, falar, comportar), que determinam na prática a motivação para
estar na sociedade. A prática extra discursivas (dia a dia) é a produtora e
legitimadora do discurso oficial dominador que condiciona os corpos a serem corpos
dóceis e úteis socialmente (estuda-se para escravizar o corpo aos modos
oficiais de saber e de poder, e isso é plenamente positivo).
O
poder é político, todo saber é político e tem sua gênese em relações de poder. No
seu livro Vigiar e Punir, ele analisa o controle social psíquico ou ideológico,
que é realizado sobre presos na prisão projetada por Jeremy Bentham (Pan
óptico), que seria uma torre elevada e vedada para quem vê de fora, mas que tem
ampla visão de todas as celas. Segundo Foucault, essa condição adestra e
condiciona os comportamentos. Onde Foucault irá projetar as sociedades de
controle, espécies de big brothers, sempre observando.
Karl Marx aponta a Mais Valia como a exploração do trabalho do proletário, Foucault dois séculos depois verá nessa relação uma exploração mais grave e abrangente, apontará o proletário como escravo que adoece se ninguém o escravizar, o já conhecido discurso de “estudar para ser alguém na vida”, que interliga o conceito de trabalho oficializado a identidade oficializada (reconhecimento social). O que se ignora é o que Foucault aponta como resolução obvia nas relações de poder, que seria o conceito de que não existe nenhuma relação de poder sem um polo de resistência. O poder não é uma substância que um tem e outro não tem, o poder é dinâmico entre dominantes e dominados (mas se estende entre dominantes e dominantes e dominados e dominados), para um existir é necessário existir o outro, há uma vontade do dominante e do dominado em manter sua condição. É preferível manter que lutar para transformar a relação. O que fica oculto nessa relação é que o dominante é dependente do dominado e precisa dele para permanecer como dominante, jamais poderá dizer para o dominado “vou destruí você”, pois isso seria destruir a si mesmo. Já o dominado pode subtrair o poder do dominante por três vias: pular de uma janela e extinguir a dominação. Tomar o poder por meio de uma revolução ou tomar o poder ilusoriamente, que é a ação de transformação e a resistência que se exerce nas relações de poder entre dominador e dominado, com fins de subverter as forças ideológicas, criando novas estruturas de relação poder. Se o saber é poder e se perfaz em saber poder, e consequentemente em discurso de verdade, é preciso elaborar uma estilística da existência, que é dar a si próprio uma forma de existência, e se perceber e identificar como seres temporais e históricos. Para Foucault não há relação de poder entre sujeitos livres, o poder precisa de discursos de verdade e para isso cria a necessidade de leis que são verdades construídas de acordo com a necessidade do poder. Se o poder precisa da produção de discursos de verdade, tomar o poder é construir discursos de saber poder que se oficializem e se façam sobrepor as verdades prevalecentes socialmente. Não há aqui uma proposta de revolução social por outros meios ou algum tipo de revolução intelectual, mas sim a proposta de Foucault de o dominado se perceber na relação dominada e se libertar das amaras ideológicas e psicológicas dessa opressão.
Karl Marx aponta a Mais Valia como a exploração do trabalho do proletário, Foucault dois séculos depois verá nessa relação uma exploração mais grave e abrangente, apontará o proletário como escravo que adoece se ninguém o escravizar, o já conhecido discurso de “estudar para ser alguém na vida”, que interliga o conceito de trabalho oficializado a identidade oficializada (reconhecimento social). O que se ignora é o que Foucault aponta como resolução obvia nas relações de poder, que seria o conceito de que não existe nenhuma relação de poder sem um polo de resistência. O poder não é uma substância que um tem e outro não tem, o poder é dinâmico entre dominantes e dominados (mas se estende entre dominantes e dominantes e dominados e dominados), para um existir é necessário existir o outro, há uma vontade do dominante e do dominado em manter sua condição. É preferível manter que lutar para transformar a relação. O que fica oculto nessa relação é que o dominante é dependente do dominado e precisa dele para permanecer como dominante, jamais poderá dizer para o dominado “vou destruí você”, pois isso seria destruir a si mesmo. Já o dominado pode subtrair o poder do dominante por três vias: pular de uma janela e extinguir a dominação. Tomar o poder por meio de uma revolução ou tomar o poder ilusoriamente, que é a ação de transformação e a resistência que se exerce nas relações de poder entre dominador e dominado, com fins de subverter as forças ideológicas, criando novas estruturas de relação poder. Se o saber é poder e se perfaz em saber poder, e consequentemente em discurso de verdade, é preciso elaborar uma estilística da existência, que é dar a si próprio uma forma de existência, e se perceber e identificar como seres temporais e históricos. Para Foucault não há relação de poder entre sujeitos livres, o poder precisa de discursos de verdade e para isso cria a necessidade de leis que são verdades construídas de acordo com a necessidade do poder. Se o poder precisa da produção de discursos de verdade, tomar o poder é construir discursos de saber poder que se oficializem e se façam sobrepor as verdades prevalecentes socialmente. Não há aqui uma proposta de revolução social por outros meios ou algum tipo de revolução intelectual, mas sim a proposta de Foucault de o dominado se perceber na relação dominada e se libertar das amaras ideológicas e psicológicas dessa opressão.
Agora
podemos propriamente entrar no tema que nos interessa sociologicamente, que é a
relação do corpo na sociedade. Tendo como referência o saber poder, discurso
que legitima as relações, Foucault aponta o poder como aquele que sujeita os
corpos, dirige gestos e rege comportamentos. O corpo é uma realidade política, e
segundo Herbert Marcuse, as estruturas oficiais de poder perfazem uma Anatomia
Política, que é o trabalho sobre os corpos para docilizá-los para a exploração.
A existência pessoal acontece concomitantemente com a existência social, e é o
nosso corpo a instância legitimadora da existência interior, pois não somos
seres incorpores vagando por ai. Assim, o que o outro sabe sobre nós está
inscrito em nossas manifestações físicas que vão desde o formato corporal a
roupa, estilo, gesto, movimentos. Tudo que fazemos com o corpo diz algo sobre
nós, até mesmo o não fazermos como oposição aos que fazem (academia, por
exemplo). A questão é que este corpo estando inscrito na esfera social, sofrerá
como nós sofremos em nosso ser (a palavra aqui não tem um tom negativo), as
influências e exigências sociais. Reflita: quando a sociedade pune algum
cidadão o pune por algo feito pelo mesmo levando em conta sua intenção,
desrespeito, maldade, descontrole, desequilíbrio, imprudência, violência e
outros. Como são instâncias do ser da pessoa, da esfera interior e a sociedade
não pode acessar diretamente, a punição se dá majoritariamente sobre o corpo,
pois esse está acessível e representa o ser da pessoa em questão. Assim temos
que a sociedade atua sobre o indivíduo para alinhá-lo a si, e disporá dos
artifícios necessários para realizar tal intento. Voltando a Herbert Marcuse,
em seu livro Eros e Civilização, ele diz “A
manipulação da consciência que tem ocorrido em toda a órbita da civilização
industrial contemporânea foi descrita nas várias interpretações de “culturas
populares” e totalitárias: coordenação da existência privada e pública, das
reações espontâneas e solicitadas. A promoção de atividades ociosas que não
exigem empenho mental, o triunfo das ideologias anti-intelectuais, exemplificam
a tendência”[1]. Há um controle ideológico
sobre a decisão de um indivíduo mesmo quando ele decide decidir contra esse
controle ideológico, pois ao negar o controle ideológico, ele primeiro o
legitima.
É
como nos movimentos de gênero sexual nos quais se busca a legitimação do
casamento entre eles, sejam eles quem forem e como escolham se unir, essa busca
de legitimidade é na verdade validadora do regime de poder que os oprime e os
excluem. É verdade que tem nomes de direitos da pessoa, mas é perda do direito
de ser. Foucault é um crítico visceral dos Direitos Humanos, pois os mesmos legitimam
o poder opressor como legítimo, apesar da opressão. “Direito humanos é um
dispositivo inventado no século 18 que garante que as pessoas não tenham esse direito”.
Veja um discurso de Foucault sobre os governos e os direitos:
"Na
medida em que pretendem ocupar-se da felicidade das sociedades, os governos se
arrogam o direito de inventariar os ganhos e as perdas, a infelicidade dos
homens, que suas decisões provocam ou que suas negligências permitem. Constitui
um dever dessa cidadania internacional de sempre fazer valer aos olhos e
ouvidos dos governos as infelicidades dos homens em relação às quais não é
verdade que eles não são responsáveis. A infelicidade dos homens não deve
jamais ser um resto mudo da política. Ele funda um direito absoluto de se
insurgir e de interpelar aqueles que detêm o poder." (Texto
Contra os governos: direitos humanos)[2]
Em seu livro Vigiar e punir, Foucault aponta o lugar do corpo no processo social de relações de poder, saber poder e discursos legitimados:
Em seu livro Vigiar e punir, Foucault aponta o lugar do corpo no processo social de relações de poder, saber poder e discursos legitimados:
“Mas o corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações
de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem,
o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe
sinais. Este investimento político do corpo está ligado, segundo relações complexas
e recíprocas, à sua utilização econômica; é numa boa proporção, como força de produção
que o corpo é investido por relações de poder e de dominação; mas em compensação
sua constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso num
sistema de sujeição (onde a necessidade é também um instrumento político cuidadosamente
organizado, calculado e utilizado), o corpo só se torna força útil se é ao
mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso”[3]
Assim,
temos que a relação entre o corpo e sociedade se dá em imposição da segunda
sobre o primeiro, ficando o mesmo sujeito as condicionantes para ser um corpo,
e tendo suas possibilidades de se manifestar inscritas na própria estrutura social,
e no conceito de poder saber político de Foucault, até mesmo as manifestações de
contrariedade, rebeldia corporal, auto inscrição anatômica, tem por referência
direta as padronizações corporais, assim essas atitudes acabam como reforçar e
legitimar as padronizações. Teria uma saída para a dominação corporal ou
Anatomia Política? Tanto em Marcuse (Escola de Frankfurt) como em Foucault,
somente o saber que se perfaz em saber poder poderá ser produtor de um discurso
de um saber poder político que se legitimará em discursos de saber poder construtores
de novas estruturas de verdade, pois serão essas verdades as mobilizadoras de
novas verdades políticas que se instituirão sobre o corpo e que determinarão
uma nova anatomia política. Agora veja que a saída para o problema é uma entrada
no processo de produção dele mesmo, a busca aqui, é compreender e apresentar
uma pluralidade
de verdades sobre o corpo, variadas enunciações de verdades sobre o corpo, por exemplo, corpos disciplinados, excluídos, delinquentes, enlouquecidos,
patologizados e outros.
É fundamental que possamos compreender as múltiplas ideias e conceitos
sobre enunciação da palavra corpo, e sobre a qual inúmeras formações discursivas se
desenvolvem (por exemplo, a biologia, a psicologia, os esportes, a medicina, a
religião, a acupuntura, a astrologia), e agora o novo sujeito sujeitado
a sociedade tem consciência da sua sujeição e das condicionantes da sua sujeição
corporal e das condicionantes das produções ideológicas que são legitimadoras
dos saberes oficiais e que se fazem oficializadoras dos discursos que são oficiais.
resumindo esse aglomerado de ideias e saberes que buscam explicitar e explicar o curso da produção de discursos oficiais que determinam uma existência legitimada no meio social segundo os discursos oficiais. Podemos aqui, no mínimo, aprender que as verdades que nos são verdades são verdades instituídas por discursos autorizados e autorizadores que se impõem sobre nós exigindo sempre uma resposta, e aqui é o pulo do gato (Foucault), toda vez que respondemos aos discurso oficial (se é que é possível não responder), a favor ou contra, aceitando ou contrariando, ou mesmo ignorando, nós o legitimamos. E nessa relação corpo e sociedade podemos pensar nossa condição existencial como ser corporal (só corporal ou também ser metafisico) e munidos com um novo saber pensar a possibilidade de produção de um novo saber que se perfaça em saber poder, que mesmo que não seja um saber poder político, que possa ainda assim nos libertar da dominação cega, pois o próprio reconhecimento da dominação já é um sinal de que tal condição está por mudar, de que tal discurso legitimado não é mais legitimador de uma condição de dominação. Assim, fiquemos com o conceito presente no pensamento de Foucault, o saber é uma ferramenta que se usa para entender o processo de fazimento do saber que é também o produtor da ferramenta que possibilita produzir o saber e ao mesmo tempo entender o processo de produção do saber e da ferramenta que possibilita entendê-lo.
Obrigada pelo texto.
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