segunda-feira, 20 de março de 2017

Empirismo: a experiência do conhecimento pela experiência

Empirismo: a experiência do conhecimento pela experiência

Para René Descartes o conhecimento é algo que acontece a partir do próprio ser, mesmo não havendo de fato um ser, o desenvolvimento do conhecimento e da verdade se dá a partir do cogito (da dúvida) e com ela como amparo (método cartesiano) busca se fugir dos enganos comprovados na construção do conhecimento, sendo a dúvida e o método, fundamentado no cogito a fonte do saber e da verdade. A teoria alternativa, contraditória e contemporânea de Descartes nessa mesma busca é a do Empirismo, Francis bacon (1561-1626) tem nos sentidos, a priori rejeitados por Descartes, a fonte primordial do saber. Teremos a partir de então toda uma construção filosófica de busca de comprovação e fundamentação dessa proposta, passando por John Locke, Thomas Hobbes e David Hume, até que em Emmanuel Kant esse processo de conhecimento e aprendizagem ganhe novos contornos.
O Empirismo consiste em uma teoria epistemológica que indica que todo o conhecimento é um fruto da experiência, e por isso, uma consequência dos sentidos. A experiência estabelece o valor, a origem e os limites do conhecimento. Diferentemente das teorias das ideias a priori (inatismo), os filósofos empiristas postulavam que nossas ideias derivam da percepção de nossos sentidos, e que por isso se formam pela experiência. O que acontece aqui é que a sensibilidade, que para os racionalistas (como Platão, Descartes, Espinosa) ocultava a realidade, para os empiristas (bacon, Locke, Hobbes, Hume) era o meio de revelá-las. Algo surge em comum aqui, tanto para os empiristas como para os racionalistas, o conhecimento não é mais algo que de fora se espelha em nós, mas é uma operação construída por nossa mente ou por nossos sentidos. E nessas possibilidades de saber, a Filosofia Moderna, está determinando que conhecemos apenas o que pode ser percebido pelo sujeito, como as coisas se manifestam na consciência ou sentido. Para Francis Bacon, o saber não é mais contemplação e fruição espiritual, mas uma atividade prática, ativa, intencionada para a busca do poder (saber é poder) sobre a natureza “o conhecimento deve ser obtido para gerar controle sobre a natureza”. Não importa mais conhecer o mundo, é preciso agora dominá-lo, e para isoo é fundamental que se estabeleça novos métodos de estudo e compreensão da realidade, o que ele denomina de novo organon, em contraposição ao orgnanon aristotélico que se apoiava na dedução para desvelamento da verdade. O método Baconiano é o da indução (experiência – observação – regularidade – análise – generalização) que para ser efetivo precisa se livrar dos ídolos (da tribo, da caverna, do foro e do teatro). Para Thomas Hobbes (1588-1679) alinhado com Bacon e em contrariedade com Descartes, toda representação da realidade é o resultado dos efeitos que os corpos provocam sobre nossos sentidos. Ele desenvolve um conceito muito interessante como o de que os “nomes” que nós utilizamos para nos comunicar com as coisas e a respeito das coisas, não são substâncias e não manifestam a natureza íntima das coisas, são antes, sinais dos pensamentos que temos e instrumentos de comunicação sobre esses pensamentos.
John Locke (1632-1704), também empirista, escreve o livro Ensaios sobre o Entendimento Humano, e nele desenvolve o conceito de que a mente não é uma substância pensante e que não possui ideias inatas, ela é como uma tabula rasa (folha em branco) nas quais os objetos e experiências deixam suas impressões, registram sua imagem, formando as ideias a partir da realidade concreta. As ideias são objeto do intelecto, mas são um instrumento para o desenvolvimento e significação da realidade. A metafisica segundo Locke é entulho, visto que tem “existência” mas não tem utilidade, já que não tem materialidade e se torna uma decorrência de ideias sem objeto, pensamento sem corpo. Na produção do conhecimento a realidade nos apresenta duas condicionantes no processo do saber, que são as impressões e interpretações. A primeira é a marca deixada naquele que experimenta, um saber adquirido na experiência, e a segundo é as interpretações que são dadas ao processo de experimentação, que é em si um processo de acumulação de um novo saber a partir de outros saberes já experimentados e interpretados. Em David Hume (1711-1776) temos que todo o conhecimento tem origem na experiência, sendo os dados ou impressões sensíveis as suas unidades básicas. Hume defende que existem impressões e ideias que se distinguem quanto ao grau de força e vivacidade. Assim, as impressões são percepções vivas e mais fortes do que as ideias que são percepções fracas ou menos vivas. Como empirista, ele rejeita a existência das ideias inatas porque as ideias sucedem-se às impressões. “As impressões são as causas das nossas ideias e não as nossas ideias das nossas impressões”. Todas as nossas ideias derivam de uma impressão sensível. A toda e qualquer ideia tem de corresponder uma impressão porque as ideias são imagens/cópias das impressões. No Empirismo de Hume as experiências que temos são determinadoras dos pensamentos e sentimentos, o choque de corpos é produtor de conhecimento. Na verdade o escocês David Hume radicaliza ainda mais a filosofia empirista pensada por Bacon, Hobbes e Locke. Alinhando se com Locke, Hume combate as teorias das ideias inatas e mostra que as percepções da mente se dividem em duas formas, que são impressões e ideias, sendo as impressões percepções mais fortes e que tem em si não apenas as sensações externas, mas também as internas (sentimentos, paixões, desejos), e as ideias por seu mérito são uma resultante da impressão, que a medida que se distanciam da experiência perdem a força. Assim, as ideias não pertencem a experiência, mas são a resultante das mesmas, aquilo que fica. E nessa perspectiva, David Hume irá elaborar uma reelaboração dos conceitos do processo de conhecimento empírico. O que nós captamos é uma série de fluxos de impressões e ideias, esse fluxo apresenta frequência e regularidade, e essas frequências e regularidades criam as percepções que se apresentam a nós, que acabamos por imaginar a existência de um princípio que estaria na base da coesão daquelas percepções frequentes e regulares. Na epistemologia de Hume, qualquer certeza desaparece diante das percepções, impressões e ideias. O sujeito deixa de ser um pressuposto evidente e se torna uma imagem passageira, um nome que pode ser substituído por outro sem alteração. A impressão/crença que temos na existência das coisas como imutáveis e organizadas é fruto de uma imaginação/pensamento que precisa colocar uma determinada ordem no mundo para se orientar e viver nele com estabilidade. Ele estabelecerá a impossibilidade de conhecer a substância/essência das coisas visto que a experiência com as mesmas não viabiliza tal percepção. As proposições principais de Hume sobre os limites da ciência são: Tempo e Nitidez=> que é ação do tempo sobre o efeito dos efeitos deixados pela experiência no ser (lembrando que para Hume não há eu). A medida que o tempo passa a experiência e o conhecimento advindo da mesma se torna tanto quanto menos eficaz e eficiente. Percepções Particulares=> as coisas são percebidas nas suas particularidades, sejam árvores, bananas, pedras. Elas ganham significações particulares, mesmo que similares as de outros, e também essas percepções particulares acabam gerando generalizações (ideias similares sobre as coisas particulares). É aqui Hume também alerta, ao contrário de Bacon, que não há como ignorar a subjetividade nesse processo cognoscível. Relação com as Palavras=> há uma complicação no processo epistemológico devido a imperiosa necessidade do uso das palavras para descrever as experiências. As palavras são meio termo para descrever as experiências. Eu tenho uma experiência de chuva que é uma coisa, e eu preciso descrever a experiência até mesmo para perceber a experiência, e nesse processo de descrição da experiência eu saio da experiência para falar da experiência, e acabo por ter dois momentos da experiência, o que ela é em si e como eu a descrevo representativamente em mim. O Problema da Causalidade=> porque observarmos que o evento (A) tem sido sempre, até ao presente, sucedido pelo evento (B), acreditamos que da próxima vez que ocorrer (A) sucederá (B), e desta forma inferimos uma relação necessária entre causa e efeito pelo fato de nos termos habituado a constatar uma relação constante entre fatos semelhantes ou sucessivos. Só que é apenas o hábito ou costume que nos permite sair daquilo que está imediatamente presente na experiência em direção ao futuro. A ideia de relação causal, de uma conexão necessária entre dois fenómenos (“sempre foi assim, sempre será assim”), é uma ideia da qual não temos qualquer certeza sensível. Como o critério do estabelecimento de uma verdade de um conhecimento factual é o acontecimento desse conhecimento factual e o mesmo por mais que já tenha acontecido no passado não aconteceu ainda no futuro, não temos legitimidade para falar de uma relação causal entre dados da nossa experiência. O futuro é uma inferência causal condicionada as experiências do passado, em outras palavras, não podemos empiricamente projetar o futuro pelo passado. O princípio de causalidade, considerado um princípio racional e objetivo, nada mais é do que uma crença subjetiva, um produto de um hábito, o desejo de transformação de uma expectativa em realidade. A causalidade é a conjunção constante da experiência de causa e efeito. A Negação Metafisica=> a metafisica não tem lugar físico na epistemologia humana, dado a composição corporal e suas possibilidades (fosse outro tipo de corpos, com outros instrumentos sensoriais seria outra história), e também pela impossibilidade da metafisica criar verdades. Por exemplo, a matemática não é capaz de proporcionar métodos de descoberta de verdades, a matemática é simbólica, representação de realidades empíricas como as fórmulas, a exemplo da fórmula do cálculo de energia e=m.v, contudo a correta elaboração matemática não produz nenhuma realidade a partir de si. Outro exemplo, o nascimento do Sol amanhã, posso matematicamente explicar e expressar esse acontecimento que já ocorreu milhões e milhões de vezes, mas não posso comprovar matematicamente que acontecerá outra vez. Lembrando Hume, a repetição dos fenômenos nos leva a inferir uma naturalidade causal para os fenômenos, principalmente da natureza.
Os filósofos empiristas são de uma importância sem tamanho na história do pensamento humano e, no desenvolvimento histórico humano em todas as esferas que se for possível pensar. É aqui no empirismo, análise e compreensão do mundo partindo do próprio mundo, que teremos um dos mais significativos acontecimentos da história, a invenção da ciência, que irá revolucionar a existência do homem em todas as esferas existentes até chegar em nós, herdeiros desse processo, que nos utilizamos de todo esse processo, toda essa forma de pensar e saber, mesmo sem ela conhecer. Isso só comprova a força dessa teoria e como ela é fundamental para o desenvolvimento da teoria subsequente a ela, a construtivista, que está, esta sim, encarnada em nós, presente em nossa concepção de conhecimento, tanto que na leitura do empirismo aqui apresentado tivemos divergências epistemológicas por estarmos habituados a uma outra estrutura cognoscitiva. Logo mais abordaremos Emmanuel Kant e as novas estruturas do conhecer e do pensar o pensar.


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