Empirismo:
a experiência do conhecimento pela experiência
Para René Descartes o conhecimento é algo que acontece a partir do
próprio ser, mesmo não havendo de fato um ser, o desenvolvimento do
conhecimento e da verdade se dá a partir do cogito (da dúvida) e com ela como
amparo (método cartesiano) busca se fugir dos enganos comprovados na construção
do conhecimento, sendo a dúvida e o método, fundamentado no cogito a fonte do
saber e da verdade. A teoria alternativa, contraditória e contemporânea de
Descartes nessa mesma busca é a do Empirismo, Francis bacon (1561-1626) tem nos
sentidos, a priori rejeitados por Descartes, a fonte primordial do saber. Teremos
a partir de então toda uma construção filosófica de busca de comprovação e
fundamentação dessa proposta, passando por John Locke, Thomas Hobbes e David
Hume, até que em Emmanuel Kant esse processo de conhecimento e aprendizagem
ganhe novos contornos.
O Empirismo
consiste em uma teoria epistemológica que indica que todo o conhecimento é um
fruto da experiência, e por isso, uma consequência dos sentidos. A experiência
estabelece o valor, a origem e os limites do conhecimento. Diferentemente das
teorias das ideias a priori (inatismo), os filósofos empiristas postulavam que
nossas ideias derivam da percepção de nossos sentidos, e que por isso se formam
pela experiência. O que acontece aqui é que a sensibilidade, que para os
racionalistas (como Platão, Descartes, Espinosa) ocultava a realidade, para os
empiristas (bacon, Locke, Hobbes, Hume) era o meio de revelá-las. Algo surge em
comum aqui, tanto para os empiristas como para os racionalistas, o conhecimento
não é mais algo que de fora se espelha em nós, mas é uma operação construída
por nossa mente ou por nossos sentidos. E nessas possibilidades de saber, a
Filosofia Moderna, está determinando que conhecemos apenas o que pode ser
percebido pelo sujeito, como as coisas se manifestam na consciência ou sentido.
Para Francis Bacon, o saber não é mais contemplação e fruição espiritual, mas
uma atividade prática, ativa, intencionada para a busca do poder (saber é
poder) sobre a natureza “o conhecimento
deve ser obtido para gerar controle sobre a natureza”. Não importa mais
conhecer o mundo, é preciso agora dominá-lo, e para isoo é fundamental que se
estabeleça novos métodos de estudo e compreensão da realidade, o que ele
denomina de novo organon, em contraposição ao orgnanon aristotélico que se
apoiava na dedução para desvelamento da verdade. O método Baconiano é o da
indução (experiência – observação – regularidade – análise – generalização) que
para ser efetivo precisa se livrar dos ídolos (da tribo, da caverna, do foro e
do teatro). Para Thomas Hobbes (1588-1679) alinhado com Bacon e em
contrariedade com Descartes, toda representação da realidade é o resultado dos
efeitos que os corpos provocam sobre nossos sentidos. Ele desenvolve um
conceito muito interessante como o de que os “nomes” que nós utilizamos para
nos comunicar com as coisas e a respeito das coisas, não são substâncias e não
manifestam a natureza íntima das coisas, são antes, sinais dos pensamentos que
temos e instrumentos de comunicação sobre esses pensamentos.
John Locke (1632-1704), também empirista, escreve o livro
Ensaios sobre o Entendimento Humano, e nele desenvolve o conceito de que a
mente não é uma substância pensante e que não possui ideias inatas, ela é como uma
tabula rasa (folha em branco) nas quais os objetos e experiências deixam suas
impressões, registram sua imagem, formando as ideias a partir da realidade
concreta. As ideias são objeto do intelecto, mas são um instrumento para o
desenvolvimento e significação da realidade. A metafisica segundo Locke é
entulho, visto que tem “existência” mas não tem utilidade, já que não tem
materialidade e se torna uma decorrência de ideias sem objeto, pensamento sem
corpo. Na produção do conhecimento a realidade nos apresenta duas
condicionantes no processo do saber, que são as impressões e interpretações. A
primeira é a marca deixada naquele que experimenta, um saber adquirido na
experiência, e a segundo é as interpretações que são dadas ao processo de
experimentação, que é em si um processo de acumulação de um novo saber a partir
de outros saberes já experimentados e interpretados. Em David Hume (1711-1776)
temos que todo o conhecimento tem origem na experiência, sendo os dados ou
impressões sensíveis as suas unidades básicas. Hume defende que existem
impressões e ideias que se distinguem quanto ao grau de força e vivacidade.
Assim, as impressões são percepções vivas e mais fortes do que as ideias que
são percepções fracas ou menos vivas. Como empirista, ele rejeita a existência
das ideias inatas porque as ideias sucedem-se às impressões. “As impressões são as causas das nossas
ideias e não as nossas ideias das nossas impressões”. Todas as nossas
ideias derivam de uma impressão sensível. A toda e qualquer ideia tem de
corresponder uma impressão porque as ideias são imagens/cópias das impressões.
No Empirismo de Hume as experiências que temos são determinadoras dos
pensamentos e sentimentos, o choque de corpos é produtor de conhecimento. Na
verdade o escocês David Hume radicaliza ainda mais a filosofia empirista
pensada por Bacon, Hobbes e Locke. Alinhando se com Locke, Hume combate as
teorias das ideias inatas e mostra que as percepções da mente se dividem em
duas formas, que são impressões e ideias, sendo as impressões percepções mais
fortes e que tem em si não apenas as sensações externas, mas também as internas
(sentimentos, paixões, desejos), e as ideias por seu mérito são uma resultante
da impressão, que a medida que se distanciam da experiência perdem a força.
Assim, as ideias não pertencem a experiência, mas são a resultante das mesmas,
aquilo que fica. E nessa perspectiva, David Hume irá elaborar uma reelaboração
dos conceitos do processo de conhecimento empírico. O que nós captamos é uma
série de fluxos de impressões e ideias, esse fluxo apresenta frequência e
regularidade, e essas frequências e regularidades criam as percepções que se
apresentam a nós, que acabamos por imaginar a existência de um princípio que
estaria na base da coesão daquelas percepções frequentes e regulares. Na
epistemologia de Hume, qualquer certeza desaparece diante das percepções,
impressões e ideias. O sujeito deixa de ser um pressuposto evidente e se torna
uma imagem passageira, um nome que pode ser substituído por outro sem
alteração. A impressão/crença que temos na existência das coisas como imutáveis
e organizadas é fruto de uma imaginação/pensamento que precisa colocar uma
determinada ordem no mundo para se orientar e viver nele com estabilidade. Ele
estabelecerá a impossibilidade de conhecer a substância/essência das coisas
visto que a experiência com as mesmas não viabiliza tal percepção. As
proposições principais de Hume sobre os limites da ciência são: Tempo e Nitidez=> que é ação do tempo
sobre o efeito dos efeitos deixados pela experiência no ser (lembrando que para
Hume não há eu). A medida que o tempo passa a experiência e o conhecimento
advindo da mesma se torna tanto quanto menos eficaz e eficiente. Percepções Particulares=> as coisas
são percebidas nas suas particularidades, sejam árvores, bananas, pedras. Elas
ganham significações particulares, mesmo que similares as de outros, e também
essas percepções particulares acabam gerando generalizações (ideias similares
sobre as coisas particulares). É aqui Hume também alerta, ao contrário de
Bacon, que não há como ignorar a subjetividade nesse processo cognoscível. Relação com as Palavras=> há uma
complicação no processo epistemológico devido a imperiosa necessidade do uso
das palavras para descrever as experiências. As palavras são meio termo para
descrever as experiências. Eu tenho uma experiência de chuva que é uma coisa, e
eu preciso descrever a experiência até mesmo para perceber a experiência, e
nesse processo de descrição da experiência eu saio da experiência para falar da
experiência, e acabo por ter dois momentos da experiência, o que ela é em si e
como eu a descrevo representativamente em mim. O
Problema da Causalidade=> porque observarmos
que o evento (A) tem sido sempre, até ao presente, sucedido pelo evento (B),
acreditamos que da próxima vez que ocorrer (A) sucederá (B), e desta forma
inferimos uma relação necessária entre causa e efeito pelo fato de nos termos
habituado a constatar uma relação constante entre fatos semelhantes ou
sucessivos. Só que é apenas o hábito ou costume que nos permite sair daquilo
que está imediatamente presente na experiência em direção ao futuro. A ideia de
relação causal, de uma conexão necessária entre dois fenómenos (“sempre foi
assim, sempre será assim”), é uma ideia da qual não temos qualquer certeza
sensível. Como o critério do estabelecimento de uma verdade de um conhecimento
factual é o acontecimento desse conhecimento factual e o mesmo por mais que já
tenha acontecido no passado não aconteceu ainda no futuro, não temos
legitimidade para falar de uma relação causal entre dados da nossa experiência.
O futuro é uma inferência causal condicionada as experiências do passado, em
outras palavras, não podemos empiricamente projetar o futuro pelo passado. O
princípio de causalidade, considerado um princípio racional e objetivo, nada
mais é do que uma crença subjetiva, um produto de um hábito, o desejo de
transformação de uma expectativa em realidade. A causalidade é a conjunção
constante da experiência de causa e efeito. A
Negação Metafisica=> a metafisica não tem lugar físico na epistemologia
humana, dado a composição corporal e suas possibilidades (fosse outro tipo de
corpos, com outros instrumentos sensoriais seria outra história), e também pela
impossibilidade da metafisica criar verdades. Por exemplo, a matemática não é
capaz de proporcionar métodos de descoberta de verdades, a matemática é
simbólica, representação de realidades empíricas como as fórmulas, a exemplo da
fórmula do cálculo de energia e=m.v, contudo a correta elaboração matemática
não produz nenhuma realidade a partir de si. Outro exemplo, o nascimento do Sol
amanhã, posso matematicamente explicar e expressar esse acontecimento que já
ocorreu milhões e milhões de vezes, mas não posso comprovar matematicamente que
acontecerá outra vez. Lembrando Hume, a repetição dos fenômenos nos leva a
inferir uma naturalidade causal para os fenômenos, principalmente da natureza.
Os
filósofos empiristas são de uma importância sem tamanho na história do
pensamento humano e, no desenvolvimento histórico humano em todas as esferas
que se for possível pensar. É aqui no empirismo, análise e compreensão do mundo
partindo do próprio mundo, que teremos um dos mais significativos
acontecimentos da história, a invenção da ciência, que irá revolucionar a
existência do homem em todas as esferas existentes até chegar em nós, herdeiros
desse processo, que nos utilizamos de todo esse processo, toda essa forma de
pensar e saber, mesmo sem ela conhecer. Isso só comprova a força dessa teoria e
como ela é fundamental para o desenvolvimento da teoria subsequente a ela, a
construtivista, que está, esta sim, encarnada em nós, presente em nossa
concepção de conhecimento, tanto que na leitura do empirismo aqui apresentado
tivemos divergências epistemológicas por estarmos habituados a uma outra
estrutura cognoscitiva. Logo mais abordaremos Emmanuel Kant e as novas
estruturas do conhecer e do pensar o pensar.
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