terça-feira, 28 de novembro de 2017

A Crítica da Cultura na Filosofia de Nietzsche e Freud

A Crítica da Cultura em Nietzsche e Freud
“O homem é uma corda atada entre o animal e o além do homem – uma corda sobre o abismo” (Nietzsche)
“Os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que apenas se defendem quando atacadas” (Freud)
A Sociedade, que é a associação dos homens para um melhor viver e conviver, e a Cultura, que é toda uma produção objetiva e subjetiva produzida pelos homens nessa associação, não são coisas naturais ao homem, mas, antes são uma complementação necessária para que a existência em comunidade seja possível. E, como não é natural, ou seja, inevitável que exista, ou inevitável que exista como existe, ela sofrerá reflexões, revisões e transformações no decorrer da história. O termo “crítica” tem esse sentido, de abrir-se para refletir e pensar sobre a coisa (sociedade/cultura) o que é, porque é, como veio a ser e se será o que é ou se será um outro é.
Wilhelm Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Sigismundo Schlomo Freud (1856-1939) são propositores de uma abordagem da Sociedade e de uma percepção da vida como formação cultural, e porque cultural, também repressora. O indivíduo é, segundo eles, uma formação do meio. E por ser uma formação do meio é preciso, para entendê-lo, estudar a formação do meio que o forma em todos os seus aspectos existenciais.
Em o Nascimento da Tragédia (1871), Nietzsche reflete sobre a influência direta que a filosofia e o pensamento grego realizam sobre as formações existenciais humanas, e aponta as influências objetivas da subjetividade do pensamento grego nas sociedades em que se faz presente. Quando reflete sobre o ideal apolíneo e o ideal dionisíaco, traz à tona o dinamismo e o jogo de forças que orientem a vida humana, forças que foram separadas pela civilização, sobrepondo uma sobre a outra, e nesse ato abafando uma das dimensões naturais do existir humano. Apolo é o deus da beleza, da proporção, da harmonia e da serenidade; enquanto que Dionísio é deus da embriaguez, da desordem, da paixão. Segundo Nietzsche, a Filosofia Grega inicia um processo de decadência, ao afirmar certos valores (Apolíneos) como superiores a outros (Dionisíacos), pois nega-se aspectos naturais e constitutivos do próprio ser do humano, aspectos negativos próprios da condição humana como é sofrimento, imperfeição, dor, morte. O cristianismo, segundo Nietzsche, é uma filosofia/ideologia de continuidade ao pensamento grego, que também reforça a busca de um outro mundo (Apolo/céu) em detrimento deste mundo (Dionísio/terra). A crítica de Nietzsche a filosofia socrática-platônica-cristã visa questionar os valores que sustentam nossa cultura, pois esses valores subjugam o humano de si mesmo, e rouba-lhe aspectos fundantes e fundamentais do seu ser (o Dionisíaco e suas características apontadas acima). Suas críticas procuram perfazer a condição humana como aquela que cria valores e se submete aos mesmos, e que se tal se permitir filosoficamente uma outra reflexão filosófica (que inclua os aspectos apolíneos e dionisíacos dos humano) poderá realizar a seu favor uma transvaloração de todos os valores.
Já para Freud em suas reflexões sobre a cultura e a natureza humana (O Mal Estar na Civilização), mostra que não pode haver cultura e civilização sem repressão. O humano é um resultante do processo social e cultural, só que esse mesmo processo formador o impinge de limitações, bloqueios e dilacerações do seu ser. Sobre isso, Freud faz referências diretas as teses de Hobbes sobre o homem, em que esse seria paixão e desejo, que significa que o homem não reluta em destruir ou subjugar outros homens quando estes se apresentam como obstáculos a obtenção de seu desejo.
Poderá parecer estranho a alguém que não tenha considerado bem estas coisas que a natureza tenha assim dissociado os homens, tomando-os capazes de se atacarem e destruírem uns aos outros. E poderá portanto talvez desejar, não confiando nesta inferência feita a partir das paixões, que a mesma seja confirmada pela experiência. Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha as suas portas; que mesmo quando está em casa tranca os seus cofres; e isto mesmo sabendo que existem leis e servidores públicos armados, prontos a vingar qualquer injúria que lhe possa ser feita. Que opinião tem ele dos seus compatriotas, ao viajar armado; dos seus concidadãos, ao fechar as suas portas; e dos seus filhos e criados, quando tranca os seus cofres? Não significa isso acusar tanto a humanidade com os seus atos como eu o faço com as minhas palavras? (Thomas Hobbes, Leviatã).
Freud aponta que os esforços empreendidos na manutenção de nossa civilização vêm resultando num estado de coisas que o indivíduo é incapaz de tolerar sem se tornar profundamente neurótico[1]. O embate entre essas forças vitais e as forças de destruição, existentes no humano, são a contradição central da cultura e da sociedade contemporânea. É preciso conviver para se realizar, mas é a convivência a castradora dos impulsos vitais.
Freud ainda nos traz um outro apontamento crucial para nosso entendimento da condição humana, que é contraditória e paradoxal (visto que precisa da sociedade para existir, mas tem nela a limitação de suas possibilidades de plena realização), o homem age movido por paixões e desejos inconscientes, só que o homem perdeu no decorrer da história os seus referenciais ideológicos e transcendentais. Freud apontará que a existência humana foi golpeada em três níveis (cosmológico, biológico e psicológico). O golpe cosmológico em veio com Nicolau Copérnico, que retirou o humano do centro do universo; já o golpe biológico veio com Charles Darwin, pois este apontou o humano (homo sapiens) como a resultante dos processos de seleção natural e mutação genética. E em terceiro, o golpe psicológico, no qual o próprio Freud apontou que o ego (eu) não é dono de sua própria casa, e assim despedaçou a crença filosófica no poder da razão humana como suficiente para determinar a própria existência do homem. A razão não é soberana, ela é resultante de um processo complexo e paradoxal.
Podemos ver nesses apontamentos reflexivos sobre a cultura feitos por Nietzsche e Freud, que a cultura é um derivativo, e que ela não é absoluta e não está fechada. Assim, é preciso que se faça uma reflexão da sua construção e da sua estrutura estruturadora para que se identifique as condicionantes que a formaram e em um segundo momento para entender a sua composição, e, assim, compreender o que é e aprender como se relacionar com ela em sua forma e estrutura. O que os dois autores propõem é que a cultura (o modo como vivemos em nossos valores e estruturas biológicas e psicológicas) é uma formação realizada por nós, e como tal deve ser revisitada em sua formação e estrutura para que se verifique que a mesma é possibilitadora da melhor existência possível, visto que foi criada com esse pressuposto. Assim, a perspectiva é de criar uma consciência da própria estrutura da consciência, visto ser a consciência determinada pela estrutura, e assim se permitir refletir a respeito da mesma, para aceitá-la, rejeitá-la ou mesmo repensá-la em novas estruturas.



[1] Freud define a neurose como a expressão de um conflito entre os desejos do nosso inconsciente. Para ele, certos impulsos inconscientes são incompatíveis com a realidade exterior ou são impossíveis de serem concretizados, desenvolvendo-se no sujeito um intenso estado de ansiedade e mal estar geral.

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