terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Referênciais Existenciais - A Condição Humana

Você vive como tem de viver, diria Rousseau, você vive como a natureza não lhe ensinou a viver. Para Rousseau o homem difere do gato, visto que esse já nasce com uma natureza determinada e já tem em si toda tecnologia necessária para o seu viver. Contudo, o homem não dispõem de tecnologia (natureza) para o viver. O homem não nasce pronto, precisa se fazer, ou melhor, precisa ser feito homem. A pergunta que nos cabe fazer aqui é: feito por quem? Ele responde. Feito pelas interações sociais/existenciais que irão compor sua existência, ou em outras palavras, se existisse sociologia na sua época, ele diria que a existência é uma formação social.
Veja que os conceitos, preceitos, ideologias e filosofias que utilizamos para viver/conviver não são encontradas entre os outros seres viventes. É coisa de homens/mulheres, não haverá entre macacos, cachorros, abelhas ou formigas. Não existem, também, no mundo, se o homem não as criasse não existiriam, na verdade elas não existem em lugar algum, elas existem no homem, em seu coração e mente.
Você sai de casa de bicicleta e traça o caminho que fará para chegar em seu destino, mentaliza onde vai virar direita/esquerda , subir/descer, ciclovia, semáforo, faixa de pedestre. Está é a realidade, referencias simbólicas que orientam suas pedaladas para chegar ao destino proposto. Agora tente fazer o caminho proposto sem os referenciais simbólicos (direita/esquerda, subir/descer, ciclovia, semáforo, faixa de pedestre) ou pior tente explicar o caminho para alguém sem os mesmos.
Os referenciais existenciais são construções humanas para agilizar, facilitar e orientar seu comportamento e convívio social. Imagine se não houvesse linguagem (símbolos) como faríamos para passar os conhecimentos de uma geração para outra. Como possibilitar que a geração seguinte entenda e aprenda o que a geração anterior descobriu/desenvolveu sem instrumentos facilitadores desse processo (linguagem falada, escrita ou digital). Então, perceba que os referenciais existenciais (norte/sul, melhor/pior, amor/ódio) são construtos humanos norteadores da relação/interação humana, e que sem eles ficaríamos perdidos, talvez como os homens das cavernas, afinal, sem uma boa construção referencial histórica (a história de si mesmo) o homem/mulher gastaria a maior parte de sua existência apenas para saber quem é.

Nesse sentido esses fatores referenciais valorativos e ideológicos que são criação humana, e não existem no mundo, e que tem o propósito de nortear a condição, situação e existência humana, sendo para este uma referência valorativa (boa/má, negativa/positiva, prazerosa/nojenta). Assim a condição humana é, ao contrario do que sempre acreditamos, um construto do homem para si mesmo, ela é uma elaboração filosófica socialmente determinada pela convivência do homem com o homem. Se esta convivência/existência é ruim ou negativa o é porque foi construída assim. O que significa que poderia ser diferente do que é, significa que poderia (e pode) ser construída de outra maneira. O essencial desta análise é nos possibilitar, a partir da compreensão da formação de si mesmo, redirecionar, re-equacionar, refazer (se necessário) nossas concepções sociais e ao nosso respeito, nos possibilitando sempre a construção da melhor existência e convivência no mundo da vida.  

Sociologia da Religião

A religião tem acompanhado o ser humano desde
os seus primórdios, servindo  como uma ponte
 de compreensão para diversos  fatos
supostamente incompreensíveis.
A gênese da modernidade ocidental situa-se nas transformações sociais ocorridas no século XVIII. Os marcos históricos da modernidade – o Iluminismo, Revolução Industrial, a Revolução Francesa – são essenciais para percebemos uma Nova Era que nascia sob o auspicio da racionalidade e da reflexividade. Com o advento da modernidade, o ser humano racional como seu ‘ator principal’ acontece, concomitantemente, o declínio da religião.  
O ser humano como ser social formado socialmente, é composto por conjunturas de valores que são determinantes do seu pensar e do seu agir. Esses valores são construções humanas socialmente condicionadas e determinadas, que significa que são construídas no grupo, pelo grupo e para o grupo. Essas construções têm diversas referências sociais e históricas (religiosas e filosóficas), por isso, para melhor conhecer e compreender os seus porquês precisamos entender as bases, os alicerces estruturais dessas construções.
Ora, se nossas ações têm por base valores e referenciais éticos, é preciso então descobrirmos de onde surgem esses valores e referenciais. Na conjuntura valorativa ocidental, e em todas as outras, a religião e seus preceitos e conceitos (bem/mal, certo/errado, verdadeiro/falso) são constitutivas das organizações sociais e legais. Em outras palavras como diz Max Webber “é preciso conhecer a concepção global de existência de um agente para compreender suas atitudes”, ou ainda, “A religião associa-se ao corpo social não pelas instituições, mas pelos valores que o indivíduo carrega e transforma em motivações da ação social”.
A Sociologia visa mostrar a contribuição da religião para a Coesão Social e para a Integração de Valores, pois a religião, e todos os seus valores, afeta a sociedade que a abriga não apenas externamente, mas fundamentalmente internamente, pois a medida que apreendidos, apropriados e internalizados pelos indivíduos, participam ativamente do arcabouço estrutural do individuo.
Um exemplo dessas referencia está em sua obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, em que ele apresenta como o ethos (costumes e os traços comportamentais de um povo) religioso puritano contribuiu para com o avanço do capitalismo.
“Não se trabalha simplesmente para se acumular capital, pois seria uma motivação insuficiente. Trabalha-se porque o trabalho é bom, portanto um valor em si mesmo. Analisa-se como a vocação, a virtude e a ascese do protestante contribuíram para que ocorresse o acúmulo de capital”.

 A Sociologia da Religião analisa esse mote de transformação sociocultural a partir da transformação do papel da religião na modernidade que vai inaugurar uma nova estrutura social calcada no desencantamento do mundo e na sua sequência, a secularização. Desencantamento do mundo corresponde a mudança de postura para com o mundo, um olhar sobre o mesmo com uma concepção antimágica e antirritualista, o que indiretamente apoia a investigação cientifica. O que em outras palavras significa que realidades que eram explicadas através das divindades (chuva, nascimento, doença, morte) agora serão explicadas pelo estudo e compreensão do mundo (construções racionais humanas e as leis naturais) e a subsequente secularização da sociedade decorrida. Numa sociedade secularizada, os indivíduos sentem-se livres para encontrar, de forma autônoma e refletida, o seu próprio universo de significações diante de um mundo fragmentado, visto que não há mais uma instituição (Deus, igreja) definidora do olhar com que se vai olhar a realidade e o mundo.

Do Espanto a Reflexão


O homem (ser humano) é homem porque difere dos outros seres da natureza, não por sua constituição física/fisiológica (mamífero como outros), e sim por sua capacidade de olhar o mundo e se incluir nesse, ou se perceber diferente dele mesmo que o constituindo. E é essa capacidade de compreensão de si e do mundo que dá a ele uma distinção existencial. Ao olharmos a história percebemos que o homem foi modificando seu olhar ou sua forma de olhar o mundo. Na busca de compreender a realidade que o cerceia (compreender para dominar, dominar para tirar proveito) foi buscando explicações possíveis para cada momento histórico. Se em um período primário explicavam o mundo de uma forma mais fenomênica, mística, mítica (Mitologia) em um segundo momento passa a explica-lo por intermédio direto do uso da sua razão para compreensão e explicação do mundo (pré-socráticos), logo após volta seu olhar para si mesmo, sua existência e lugar no mundo (os clássicos) e desse olhar teremos diversas escolas, discursos e práticas existenciais (Helenismo). Esse período helênico é um período de expansão da doutrina filosófica cunhada na pessoa (filósofo) de Jesus e seus ensinamentos, que por mais vários séculos (e até hoje) faz o pensar filosófico se ater a temas correspondentes ao mesmo (período Medieval). E por fim o homem volta seu olhar para o mundo, novamente, na busca de compreendê-lo e explica-lo, só que agora esse olhar não é meramente especulativo, o olhar sobre o mundo é na busca de compreender as estruturas do mesmo e as consequentes influências dessa estrutura existente sobre sua existência (Modernos).
Assim, a filosofia é o olhar que o homem lança sobre si e sobre o mundo, fazendo uso daquele que é seu maior atributo (razão) com vistas a compreender os porquês dos porquês dos nossos porquês, e assim construirmos, através dessa compreensão um novo mundo, agora sujeito a nossa compreensão. Compreensão que deriva de outras compreensões que compreenderam realidades do mundo.

O fato é que nossa existência é constituída por discursos (compreensões) filosóficos, a nossa busca com essa disciplina é explicitar esses discursos para melhor compreende-los e usá-los, e ao mesmo tempo construir com eles, ou por meio deles, novos discursos condizentes com nossa existência, ou com nosso olhar compreensivo sobre o mundo.   

O que é a Sociologia


Vivemos em um mundo cheio de mistérios, e a busca da verdade deve ser uma postura de vida. Nesse sentido, devemos nos lembrar de que todo conhecimento pressupõe dois elementos: o sujeito que quer saber e o objeto que é passível de conhecimento.
As sociedades e as culturas são objeto de conhecimento das chamadas ciências humanas e sociais, entre as quais figuram a Sociologia, a Antropologia, a Ciência Política, a Economia e a Psicologia Social. Nós focaremos nossa atenção em como a Sociologia olha essas realidades. E nossa busca é de que a mesma nos capacite a olhar a nossa realidade, nosso mundo, nossa vida e existência com um olhar mais amplos, menos ingênuo, e mais competente.
A Sociologia se constitui como ciência no século XIX, inserida em um contexto de valorização do conhecimento metódico e racional (Iluminismo) e de grandes transformações sociais, resultantes, sobretudo, dos processos de industrialização e urbanização. Suas raízes, porém, podem ser localizadas no pensamento social que se desenvolveu na Europa a partir do século XIV. Impulsionado pelo Renascimento cultural e cientifico e, posteriormente, pelo movimento iluminista.
Como veremos a Sociologia nos fornece importantes instrumentos para análise e a percepção dos fenômenos próprios do existir e do conviver em sociedade. Essa ciência procura explicar as distintas características de sociedades, grupos e subgrupos sociais, destacando suas interações e seus conflitos, bem como os valores, os hábitos, as crenças e as tradições que configuram suas culturas.

Assim, a Sociologia nos leva a olhar a sociedade e ver suas influências diretas/indiretas, imposições e formações que ela realiza sobre o individuo que a compõem. Em outras palavras, conhecer a sociedade, principalmente a nossa, é conhecer a si mesmo, ou conhecer mais de si mesmo.

Emile Durkheim


O sociólogo francês, Emile Durkheim, tinha por objetivação analisar e apresentar a sociedade como sendo uma formação social humana que precede a existência social humana. Durante muito tempo, filósofos escreveram sobre o contrato social, supondo que os homens viviam num estado de natureza e teriam renunciado ao mesmo (liberdade) para viver em sociedade. A Sociologia em geral não concorda com essa visão. Emile Durkheim defendeu o primado da sociedade sobre o indivíduo, o que significa que não há homem sem sociedade, pois o homem é essencialmente um ser social (formado na sociedade). Assim, a sociedade não era simples soma de indivíduos, mas uma realidade exterior ao indivíduo que organiza e dá sentido a existência do mesmo (existência interior).
A sociedade se organiza através de uma consciência coletiva, e, por isso não basta falar em uma simples soma de pessoas, pois a sociedade é um sistema formado pela associação de pessoas, e é representante de uma realidade especifica de características próprias. Essa consciência coletiva é exterior ao individuo e exerce sobre o mesmo um poder de coerção. Esse poder de coerção exterior ao indivíduo e presente em sua consciência, Durkheim nomeou de Fato Social, que significa que esse indivíduo desde o nascimento, e principalmente a partir da aquisição de uma consciência de existência, passa a absorver as regras, os valores, os costumes da sociedade. Dessa forma, os fatos sociais têm uma existência externa às consciências individuais e consistem em ideias ou normas de conduta que são estabelecidas pela coletividade em que esse indivíduo está inserido, e não isoladamente. Assim os fatos sociais são externos ao indivíduo porque existem antes de ele nascer e continuarão existindo depois que ele morrer.
Entender esses fatos sociais se faz fundamental para entender Emile Durkheim, e o único método valido para fazer isso, segundo o mesmo, seria aquele em que o cientista social deve abandonar suas prenoções (valores e sentimentos pessoais em relação ao objeto estudado), Já que eles podem distorcer a realidade, esse processo que ele cunhou de neutralidade cientifica.
Então veja, esse homem/mulher social (formado socialmente) coagido por fatos sociais e possuidor de uma consciência coletiva, decide/escolhe viver em sociedade, a mesma que o controla, por quê? Simplesmente porque o mesmo não consegue conceber a própria existência fora da sociedade, ou em outras palavras, a sociedade é mantenedora de sua identidade. A esse esquema de trocas entre sociedade e individuo Durkheim, chamou de solidariedade, que difere do sentido cristão da palavra. Solidariedade aqui é a convivência com o outro (em sociedade) por necessidade de ambos para a mesma. Essa solidariedade foi apresentada como sendo de dois tipos: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica.
Solidariedade mecânica: modelo de convivência mais antigo, rural (folk), de pequenas comunidades, onde a ação coletiva tem como referência um modelo social comum, uma presença muito forte de uma consciência coletiva legitima e legitimada. Podemos usar como exemplo o relógio, onde todas as peças, mecanismos, engrenagens e outros; atuam com a finalidade de fazer o relógio funcionar, fornecer horas.
Solidariedade Orgânica: modelo de convivência da modernidade ou pós-revolução industrial que se caracteriza pela autonomia de ação. Os indivíduos tornam-se diferentes uns dos outros, a solidariedade só pode surgir da percepção geral de cada um com suas especificidades, dons e especialidades, e assim, contribui de maneira diferente para a sobrevivência do todo. Algo como o corpo humano com diversos órgãos que formam um só organismo/corpo, onde todos trabalham para exercer sua função especifica e indiretamente contribuem para a sobrevivência do todo.
Referente à Educação, ela pode ser compreendida como o conjunto de ações exercidas das gerações adultas sobre as que ainda não alcançaram o estatuto de maturidade para a vida social. 
Partindo desta orientação, elabora sua teoria da educação, propondo uma socialização metódica das gerações novas. Para ele, era necessário articular a pedagogia à sociologia, uma vez que a escola teria como finalidade suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos pela sociedade e que seriam aplicáveis à mesma.
Sobre a Religião Durkheim tem um amplo interesse pela religião porque ela articula rituais e símbolos que têm o efeito de criar entre indivíduos afinidades sentimentais que constituem a base de classificações e representações coletivas. Para ele a religião é um conjunto de práticas e representações que vemos em ação tanto nas sociedades modernas quanto nas sociedades primitivas, e, ao tomar como objeto a religião, Durkheim tenta estabelecer que ela não suponha necessariamente a crença num Deus transcendente. Ela é antes de tudo um “sistema de crenças e de práticas”, definidoras do viver social.

Resumindo, para Durkheim a sociedade “faz o individuo” porque prevalece sobre todas as pessoas, assim a vida em sociedade aponta para uma consciência coletiva (conjunto de regras morais vigentes em uma estrutura social). Essa consciência coletiva apresenta dois modelos de convivência social, a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. Sobre a educação, entende que a mesma é método central de socialização do individuo e analisa a religião e sua importantíssima influência no comportamento e convivência social. 

Desejos Desejantes


Desejar é tão natural quanto existir. Podemos dizer, parafraseando Russel que, desejo por isso existo. Desejar é comum, e apesar disso não refletimos muito sobre o mesmo, não refletimos como ele é poderoso e determinante em nossa vida ordinária e cósmica. Reflitamos então sobre o mesmo, desde o que é o desejo e qual sua relevância na micro e macro existência de cada um de nós.
Desejo é a existência na vida do que não se tem no mundo (Eros de Platão). Desejo é a equação entre aquilo que faz falta na vida e aquilo que nos é alcançável na vida. Posso querer ser presidente do EUA, mas isso é impossível. Assim, o negativo da vida é uma decorrência direta de desejos mal desejados, mal elaborados ou mal equacionados. Tipo estar sempre saudável, não ser enganado, nunca perder ou ser correspondido amorosamente (impossível).
Se ampliarmos nosso olhar, veremos que a política é a gestão da satisfação dos indivíduos e os seus interesses (desejos) sem guerra, sem enfrentamento violento, ou seja, a política é gestão não guerreira e não violenta dos conflitos. Visto que disputamos os mesmos interesses (troféus) e não há prêmios para todos. Também nesse olhar mais amplo, vale a pena pensar que teus desejos estão condicionados a condições e pessoas que definem o próprio desejo e a sua realização, e essas condições definidoras da condição dos desejos são definidas socialmente em interação pelos próprios agentes sociais. Esse desejo é elaborado na convivência social e sua realização depende da chancela, oportunidade e aprovação dessa mesma sociedade.  É importante entender que essas condições do desejar são definidas por aqueles agentes sociais detentores de poder capital para em interação social (supostamente “meritocracia”) os definir. Mas nada do que está dado está dado definitivamente (exemplo, a superioridade masculina). Há aquelas pessoas que definem as condições de realização dos desejos e aquelas pessoas que apenas obedecem a essas condições, mesmo que se privando de desejar ou realizar seu desejo. Assim, todo espaço (casa, escola, trabalho, cidade, país) de interação é espaço de disputa de poder. São espaços que estão sempre definindo as condições de desejo e as condições para realização do mesmo. Por isso, o desejo quando se manifesta no mundo se torna desejo politico (desejo /interesse político ). A vida é nesses termos a negociação ininterrupta de interesses (desejos) que visam alavancar nossa existência. Essa política não tem começo nem fim. Ela é um processo ininterrupto, e é sempre uma solução provisória de convivência. 
Como não podemos deixar de desejar, visto que desejar é viver. Vale perguntar como devemos conviver, desejantes que somos. Ora, a boa convivência precisará sempre de revisão da relação, redefinição da equação dos desejos socialmente compartilhados, uma revisitação filosófica das estruturas elaboradoras do desejo e uma autoconscientização desses desejos e suas origens para que assim possamos ser, cada um de nós, os gerenciadores dos desejos constituintes da nossa existência. Para que assim possamos bem conviver, visto que existir é dialogar, discutir e redefinir os interesses (desejos) que nos compõem.