A Instituição da Família
Pensar a família é, primariamente, configurar nossa
ideia sobre a mesma ao modelo de família nuclear sobre ela existente (pai, mãe
e filhos), contudo tentaremos explicitar aqui que a historia desse modelo
familiar é recente e que houveram muitos outros modelos no decorrer dos tempos,
e que, também haverá outros modelos nos tempos por vir, o que na verdade já
estamos presenciando.
A família é entendida como um grupo de pessoas de
convivência doméstica tendo por referência relações de parentesco,
consanguinidade ou adoção, e que tem por funções essenciais e fundamentais a
educação e o cuidado dos menores (crianças e adolescentes), também garantidos e
exigidos por lei (ECA). É nela onde se forma nossa primeira identidade social,
sendo a família a mediadora entre o individuo e a sociedade.
Dentre os animais existentes e conhecidos sobre a face
da Terra, o homem é o mais dependente ao nascer. E, é na família que acontece
esse processo de acolher, cuidar e encaminhar. É preciso refletir que a família
não é algo natural, biológico, mas uma instituição criada pelos homens/mulheres
em suas relações sociais, e que por isso estará sempre sujeitas as condições
sociais que a permeiam e por consequência delimitam sua existência e
convivência. Nos dois últimos séculos os novos meios de produção (Karl Marx) e
vivência sócio econômico mudaram esse modelo familiar, obrigando a mulher a se
introduzir sempre mais no mercado de trabalho, e assim modicando esse modelo de
família que deixa o processo de socialização da criança como instância
terceirizada (creches, escolas, avós, natação, inglês, informática, e outros).
Vivemos também uma mudança estrutural das relações e convivências entre as
gerações propiciadas pela natural passagem do tempo e mudança das convivências
humanas, mas que em nossos dias são hiper aceleradas pelo advento das
tecnologias móveis que destroçaram nossas noções de tempo, espaço e
convivência. E isso inevitavelmente mexeu nas estruturas da família.
E aqui está a grande questão das discussões
contemporâneas sobre a família, pois se cobram dela responsabilidades que ela
não tem mais condições de assumir, não como o fez em outros tempos em outras
estruturas (família nuclear). Pensemos numa família que tenha dois ou três
filhos que dependam unicamente da mãe, onde as crianças fiquem na creche
durante o dia e sob o cuidado das mais velhas nos outros períodos. Ainda se
levarmos em conta que não temos mais a garantia da presença dessa mãe durante
os finais de semana devido às novas configurações do mercado de trabalho. Aqui
acontece uma queda de braço que já dura décadas, desde essas novas
configurações familiares, que é a cobrança das escolas e outras instituições
sociais e legais quanto a participação dos pais na educação (escolar e social)
dos filhos, e que atribui a ausência da família o baixo rendimento escolar dos
mesmos, ou também seu comportamento reprovável socialmente. Porém, essa nova
família espera que a creche, a escola e alguma outra instituição assumam esse
papel socializador.
Friedrich Engels, em sua obra A Origem da
Família, da Propriedade Privada e do Estado em 1884, elaborou a formulação materialista dialética sobre a
gênese da família e suas funções, que analisa como chegamos em nosso modelo
familiar monogâmico, que foi determinado diretamente pelo aparecimento da
propriedade privada, pois segundo ele, a família se transmutou do modelo
familiar grupal nas sociedades primitivas (gens) para um modelo familiar
monogâmico (casamento) que tinha por finalidade a preservação e transmissão da
herança (acumulação material obtida) a filhos legítimos do homem que só seria
possível com um exclusivismo da sexualidade da mulher no âmbito do casamento,
tornando uma regra máxima a virgindade e fidelidade conjugal da mulher. Podemos
falar de amor no âmbito familiar (entre o casal e desses com os filhos), mas
esse amor surge como uma instância secundaria a necessidade primária de
preservação do patrimônio familiar herdado. Parece-nos um absurdo os casamentos
arranjados da Idade Média e Moderna, contudo fazia todo sentido e nexo para os
contextos sociais e familiares da época, pois “A monogamia surgiu da
concentração de grandes riquezas nas mesmas mãos – as de um homem – e do desejo
de transmitir essas riquezas, por herança, aos filhos desse homem, excluídos os
filhos de qualquer outro”[1].
As famílias primitivas apresentavam modelos familiares
e sexuais diversos, por exemplo: “cada 10
ou 12 homens têm mulheres em comum entre si, com a particularidade de, na
maioria dos casos, serem irmãos e irmãs, pais e filhos”[2],
e devido a isso nessas “formas de família
por grupos, não se pode saber com certeza quem é o pai de uma criança, mas
sabe-se quem é a mãe, reconhecendo se apenas a linhagem feminina”[3].
Na Austrália, onde também houve a presença desse modelo familiar era muito
natural uma “lei segundo a qual quem tem
varias mulheres cedesse uma a seu hospede para ele passar a noite”[4].
Outra situação interessante que se apresenta é o rapto de mulheres em que “quando um jovem, com a ajuda de seus
amigos, rapta ou seduz uma jovem, com a ajuda de amigos, ela é usada
sexualmente por todos eles, um após o outro, mas depois passa a ser esposa
daquele que coordenou o rapto”[5].
Também “em outros povos, os amigos e
parentes do noivo ou os convidados à celebração das núpcias exercem, durante a
própria celebração, o direito a noiva, por tradição antiga, e o noivo só vem em
último lugar”[6], “Há povos ainda em que uma personalidade
oficial – chefe da tribo ou da gens, cacique, xamã, sacerdote, príncipe ou como
se possa chamar – representa a comunidade e exerce com a noiva o direito da
primeira noite”[7].
Claro está que as formas de convivências sexuais, amorosas e familiares foram
se modificando durante os tempos e assumindo diversas formas que não poderemos
enumerar aqui neste texto, por isso também Engels apontava o amor sexual (dos
seus dias até hoje) como um ineditismo histórico “A nova monogamia que resultou da mistura dos povos, sobre as ruinas do
mundo romano, revestiu a dominação do homem de formas mais suaves e atribui às
mulheres uma posição muito mais respeitada e livre, pelo menos aparentemente,
do que aquelas que já conhecera na Antiguidade clássica. Só então passou a
existir a possibilidade, a partir da monogamia – dentro dela, ao lado dela ou contra
ela, conforme as circunstâncias – de se desenvolver o maior progresso moral que
lhe devemos: o amor sexual individual moderno, anteriormente desconhecido no
mundo.”[8],
assim como podemos apontar as novas formatações sexuais e amorosas em nosso
dias como uma outra transformação histórica.
Uma previsão que Engels postulou (citando Morgan) em
seu texto, há mais de cento trinta anos, se cumpre visivelmente em nossos
tempos, veja: “Quando aceitar o fato de
que a família passou por quatro formas sucessivas e agora se encontra na
quinta, surge logo à pergunta se essa forma pode ser permanente no futuro. A
única resposta que pode ser dada é que a família terá de progredir na medida em
que a sociedade se modifica, exatamente como aconteceu no passado. A família é
produto do sistema social e refletirá sua cultura. Como a família monogâmica se
aperfeiçoou consideravelmente desde o começo da civilização e, de maneira
realmente notável nos tempos modernos, é licito pelo menos supor que seja capaz
de continuar seu aperfeiçoamento até que a igualdade entre os dois sexos seja
atingida. Se, num futuro distante, a família monogâmica não mais atender às
exigências sociais, é impossível predizer a natureza da família que irá
sucedê-la.”[9]
Assim, podemos concluir pelo que foi descrito que a
família precisa ser pensada em uma nova configuração, e que está precisa levar
em consideração a história e condição social da qual faz parte como
determinante das condições de sua existência. Também podemos com as novas
informações desmistificar a ideia da destruição da família nuclear como sendo a
destruição da família e dos fins dos tempos da existência/convivência humana.
Certamente, como fizemos antes, encontraremos, intencionalmente ou não, novas
formas de fazer o que nós seres humanos sempre fizemos (por amor ou outros
motivos) e que isso nos levará a estabelecer novas conjecturas, configurações e
adequações para o viver e conviver na família nos século XXI, XXII, XXIII e dai
por diante.
[1]
Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag.
73
[2]
Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag.
43.
[3]
Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag.
44
[4]
Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag.
45
[5]
Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag.
47
[6]
Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag.
53
[7]
Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag.
53
[8]
Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag.
68
[9]
Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag.
81
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