domingo, 7 de agosto de 2016

A Instituição da Família

A Instituição da Família

Pensar a família é, primariamente, configurar nossa ideia sobre a mesma ao modelo de família nuclear sobre ela existente (pai, mãe e filhos), contudo tentaremos explicitar aqui que a historia desse modelo familiar é recente e que houveram muitos outros modelos no decorrer dos tempos, e que, também haverá outros modelos nos tempos por vir, o que na verdade já estamos presenciando.
A família é entendida como um grupo de pessoas de convivência doméstica tendo por referência relações de parentesco, consanguinidade ou adoção, e que tem por funções essenciais e fundamentais a educação e o cuidado dos menores (crianças e adolescentes), também garantidos e exigidos por lei (ECA). É nela onde se forma nossa primeira identidade social, sendo a família a mediadora entre o individuo e a sociedade.
Dentre os animais existentes e conhecidos sobre a face da Terra, o homem é o mais dependente ao nascer. E, é na família que acontece esse processo de acolher, cuidar e encaminhar. É preciso refletir que a família não é algo natural, biológico, mas uma instituição criada pelos homens/mulheres em suas relações sociais, e que por isso estará sempre sujeitas as condições sociais que a permeiam e por consequência delimitam sua existência e convivência. Nos dois últimos séculos os novos meios de produção (Karl Marx) e vivência sócio econômico mudaram esse modelo familiar, obrigando a mulher a se introduzir sempre mais no mercado de trabalho, e assim modicando esse modelo de família que deixa o processo de socialização da criança como instância terceirizada (creches, escolas, avós, natação, inglês, informática, e outros). Vivemos também uma mudança estrutural das relações e convivências entre as gerações propiciadas pela natural passagem do tempo e mudança das convivências humanas, mas que em nossos dias são hiper aceleradas pelo advento das tecnologias móveis que destroçaram nossas noções de tempo, espaço e convivência. E isso inevitavelmente mexeu nas estruturas da família.
E aqui está a grande questão das discussões contemporâneas sobre a família, pois se cobram dela responsabilidades que ela não tem mais condições de assumir, não como o fez em outros tempos em outras estruturas (família nuclear). Pensemos numa família que tenha dois ou três filhos que dependam unicamente da mãe, onde as crianças fiquem na creche durante o dia e sob o cuidado das mais velhas nos outros períodos. Ainda se levarmos em conta que não temos mais a garantia da presença dessa mãe durante os finais de semana devido às novas configurações do mercado de trabalho. Aqui acontece uma queda de braço que já dura décadas, desde essas novas configurações familiares, que é a cobrança das escolas e outras instituições sociais e legais quanto a participação dos pais na educação (escolar e social) dos filhos, e que atribui a ausência da família o baixo rendimento escolar dos mesmos, ou também seu comportamento reprovável socialmente. Porém, essa nova família espera que a creche, a escola e alguma outra instituição assumam esse papel socializador.  
Friedrich Engels, em sua obra A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado em 1884, elaborou a formulação materialista dialética sobre a gênese da família e suas funções, que analisa como chegamos em nosso modelo familiar monogâmico, que foi determinado diretamente pelo aparecimento da propriedade privada, pois segundo ele, a família se transmutou do modelo familiar grupal nas sociedades primitivas (gens) para um modelo familiar monogâmico (casamento) que tinha por finalidade a preservação e transmissão da herança (acumulação material obtida) a filhos legítimos do homem que só seria possível com um exclusivismo da sexualidade da mulher no âmbito do casamento, tornando uma regra máxima a virgindade e fidelidade conjugal da mulher. Podemos falar de amor no âmbito familiar (entre o casal e desses com os filhos), mas esse amor surge como uma instância secundaria a necessidade primária de preservação do patrimônio familiar herdado. Parece-nos um absurdo os casamentos arranjados da Idade Média e Moderna, contudo fazia todo sentido e nexo para os contextos sociais e familiares da época, pois “A monogamia surgiu da concentração de grandes riquezas nas mesmas mãos – as de um homem – e do desejo de transmitir essas riquezas, por herança, aos filhos desse homem, excluídos os filhos de qualquer outro”[1].
As famílias primitivas apresentavam modelos familiares e sexuais diversos, por exemplo: “cada 10 ou 12 homens têm mulheres em comum entre si, com a particularidade de, na maioria dos casos, serem irmãos e irmãs, pais e filhos”[2], e devido a isso nessas “formas de família por grupos, não se pode saber com certeza quem é o pai de uma criança, mas sabe-se quem é a mãe, reconhecendo se apenas a linhagem feminina”[3]. Na Austrália, onde também houve a presença desse modelo familiar era muito natural uma “lei segundo a qual quem tem varias mulheres cedesse uma a seu hospede para ele passar a noite”[4]. Outra situação interessante que se apresenta é o rapto de mulheres em que “quando um jovem, com a ajuda de seus amigos, rapta ou seduz uma jovem, com a ajuda de amigos, ela é usada sexualmente por todos eles, um após o outro, mas depois passa a ser esposa daquele que coordenou o rapto”[5]. Também “em outros povos, os amigos e parentes do noivo ou os convidados à celebração das núpcias exercem, durante a própria celebração, o direito a noiva, por tradição antiga, e o noivo só vem em último lugar”[6], “Há povos ainda em que uma personalidade oficial – chefe da tribo ou da gens, cacique, xamã, sacerdote, príncipe ou como se possa chamar – representa a comunidade e exerce com a noiva o direito da primeira noite”[7]. Claro está que as formas de convivências sexuais, amorosas e familiares foram se modificando durante os tempos e assumindo diversas formas que não poderemos enumerar aqui neste texto, por isso também Engels apontava o amor sexual (dos seus dias até hoje) como um ineditismo histórico “A nova monogamia que resultou da mistura dos povos, sobre as ruinas do mundo romano, revestiu a dominação do homem de formas mais suaves e atribui às mulheres uma posição muito mais respeitada e livre, pelo menos aparentemente, do que aquelas que já conhecera na Antiguidade clássica. Só então passou a existir a possibilidade, a partir da monogamia – dentro dela, ao lado dela ou contra ela, conforme as circunstâncias – de se desenvolver o maior progresso moral que lhe devemos: o amor sexual individual moderno, anteriormente desconhecido no mundo.”[8], assim como podemos apontar as novas formatações sexuais e amorosas em nosso dias como uma outra transformação histórica.
Uma previsão que Engels postulou (citando Morgan) em seu texto, há mais de cento trinta anos, se cumpre visivelmente em nossos tempos, veja: “Quando aceitar o fato de que a família passou por quatro formas sucessivas e agora se encontra na quinta, surge logo à pergunta se essa forma pode ser permanente no futuro. A única resposta que pode ser dada é que a família terá de progredir na medida em que a sociedade se modifica, exatamente como aconteceu no passado. A família é produto do sistema social e refletirá sua cultura. Como a família monogâmica se aperfeiçoou consideravelmente desde o começo da civilização e, de maneira realmente notável nos tempos modernos, é licito pelo menos supor que seja capaz de continuar seu aperfeiçoamento até que a igualdade entre os dois sexos seja atingida. Se, num futuro distante, a família monogâmica não mais atender às exigências sociais, é impossível predizer a natureza da família que irá sucedê-la.”[9]
Assim, podemos concluir pelo que foi descrito que a família precisa ser pensada em uma nova configuração, e que está precisa levar em consideração a história e condição social da qual faz parte como determinante das condições de sua existência. Também podemos com as novas informações desmistificar a ideia da destruição da família nuclear como sendo a destruição da família e dos fins dos tempos da existência/convivência humana. Certamente, como fizemos antes, encontraremos, intencionalmente ou não, novas formas de fazer o que nós seres humanos sempre fizemos (por amor ou outros motivos) e que isso nos levará a estabelecer novas conjecturas, configurações e adequações para o viver e conviver na família nos século XXI, XXII, XXIII e dai por diante.



[1] Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag. 73
[2] Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag. 43.
[3] Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag. 44
[4] Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag. 45
[5] Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag. 47
[6] Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag. 53
[7] Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag. 53
[8] Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag. 68
[9] Friedrich Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, pag. 81

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