sexta-feira, 18 de outubro de 2019

O Lazer do Corpo na Sociedade do Corpo Negado

O Lazer do Corpo na Sociedade do Corpo Negado

Tudo virou mercadoria, até o pretenso momento de lazer ou de entretenimento de quem está na sala de sua casa

O que é o corpo humano? Um amontoado organizado de átomos, células e energia ou um receptáculo de uma existência superior condicionada há uma matéria limitante? Seja lá qual seja a definição que se deseje aceitar, o corpo ainda é o lugar de se ser um ser, é o lugar do ser. Pensar à vida e a existência é raciocinar sobre o lugar onde ela se acontece, ou seja, no corpo e depois do corpo. Para se pensar uma existência qualquer, até mesmo a de Deus, é preciso se dispor de uma entidade imagética que delineie para a mente um formato, um rosto, uma imagem referencial do ser que se quer perceber e interagir. E, por outro lado, temos a nós mesmos, seres corpóreos, que temos a nossa identidade como realidade de um lugar, de uma matéria, de uma existência. A leitura, entendimento e reflexão desse texto é feitura de uma possibilidade corporal. Foi o corpo que realizou para você e em você o processo de codificação de símbolos e signos que são representações dos pensamentos, ideias e impulsos que acontece em seu ser enquanto lê. 
Seguindo por uma perspectiva sociológica, o indivíduo social é um corpo social, ele é “átomo social”, matéria corpórea condicionada há estruturas que a precedem e a condicionam, a sociedade. Só que diferente de todas as outras espécies animais (corporais), o corpo humano e o ser humano nele têm em si a potencialidade de transcender sua própria formação e matéria e se condicionar a ela ou se refazer a partir dela ou em negação a ela. O corpo nasce social e é socialmente condicionado antes mesmo de se formar no útero de sua mãe. O corpo é um órgão independente do ser e o ser para ser um ser precisa condicionar o corpo as expectativas que o meio social tem sobre si. Assim, estudar e entender o ser humano é estudar os processos que levaram suas cicatrizes históricas (os processos de adestramento do corpo para a sobrevivência e para o convívio social) a se transformarem na segunda natureza do homem, processo pelo qual o que é histórico passa a ser visto como natural.
O psicoterapeuta Conrado Ramos no seu livro O Corpo Dominado no Mundo Administrado, fala dos mecanismos sociais de produção do ser (não pense os mecanismos como uma entidade intencional) que agem para que as experiências do corpo – prazer e dor – sejam negados e distorcidos em prol do fortalecimento do todo social, assim, o indivíduo aceita e reproduz as condições de sua própria exploração e limitação corporal, que é a negação do próprio corpo. Na psicologia social se analisa de forma crítica o processo terapêutico como um ajustamento aos processos de socialização que por si só são uma negação das realidades corporais do ser (seus desejos, vontades, necessidades). Ele aponta que muitas vezes as terapias psicológicas vêm o sofrimento como um defeito, uma falha, um problema de desajustamento das leis internas do funcionamento psíquico com as leis externas de ajustamento da sociedade, mas sem fazer uma relação objetiva dos processos de socialização por eles sofridos, colocando de lado a formação da entidade social que é resultado de uma continua castração corporal, que é a geradora desses processos psíquicos traumáticos no ser.  Friedrich Nietzsche tem o mesmo discurso a respeito do trato da sociedade para com o corpo, e faz uma crítica feroz a moralidade cristã como castradora da pulsão de vida (desejos e pulsões) que é negada em prol de um mundo ideal (céu, moralidade, bem superior) no porvir. Já para Michel Foucault é o corpo que ocupa um lugar no espaço e no mundo, e que dá ao indivíduo a visibilidade necessária aos poderes disciplinares (livro Vigiar e Punir), tornando-se o principal alvo das estratégias de controle social. O corpo, objeto de transformação histórica surgiu e evoluiu socialmente atrelado à dominação e, por isso, deve ser visto como uma fonte de resistência. Se o corpo é alvo predileto dos poderes disciplinares, pensar o indivíduo concretamente livre e autônomo é pensá-lo em função de sua relação com seu próprio corpo. Quando a lei era externa tinha poder limitado de formatação, mas quando foi interiorizada ganhou estruturas ilimitadas de determinação – culpa e medo – o sacrifício do trabalho e da negação do prazer serviu como compensação. Embora não seja o espelhamento das relações imediatas do homem com a natureza, o sacrifício exigido pelo trabalho e pela sociedade são experimentados como uma “segunda natureza”, tornando-se em componente do psiquismo de cada um. A dor e o sofrimento são corporais, assim como as satisfações e as felicidades, por isso, a psicologia social milita pela resistência frente às práticas de dominação do corpo e às ideologias que apagam ou deformam a consciência dessa dominação. Temos um ser que é formado socialmente e que nesse processo de formação sofre traumas na relação dialética entre o corpo e a sociedade, contudo, esses traumas são tidos como anomalias a serem combatidas, negando-se os efeitos dos aparelhos sociais de repressão por se entender que eles são necessários, essenciais e inevitáveis, e por isso, esses efeitos devem ser absorvidos e tratados, quando necessário, para um melhor ajustamento social.
O corpo é o centro da sociedade desde as estruturas sociais (como casas, escolas, hospitais), produção de bens (roupas, calçados, alimentos) e diversão (jogos, entretenimentos, artes, drogas) e outros. No capitalismo o corpo é a fonte de renda dos grandes mercados, é nele e por ele que se aposta quantias infindáveis de dinheiro. O capital criou, historicamente, não somente as condições de adequação da produção as necessidades individuais, mas criou também a necessidade individual de ajuste aos interesses da produção. E, por isso, temos uma dupla ação castradora sobre o corpo, a sociedade que o formata e o condiciona e as ideologias (religião, capitalismo e outras) que o manipulam e o direcionam a negar a si mesmo em nome de pretensos bens momentâneos ou futuros.     
A mutilação social do corpo é a mutilação existencial do ser, visto que um não é sem o outro e o outro não é sem esse um. Então temos uma equação entre o ser existencial e o ser social que vivem se digladiando no mesmo corpo para obterem seus interesses. Vivem como forças opostas em buscas de interesses por vezes antagônicos. A pressão da sociedade capitalista sobre os gostos e interesses do corpo, os interesses da religião sobre os usos do corpo em oposição a alma e o ser social (dono do corpo) que se acredita livre para viver e decidir sobre esse corpo, ignorando as determinações a priori sobre sua liberdade. Neste sentido, o corpo está posto na sociedade, ele a forma para si, enquanto ela se ocupa de ocupá-lo para si com seus interesses culturais. Espero que fique visível que há uma relação direta e indireta de oposição e composição entre corpo e a sociedade, que a sociedade se molda para suprir o corpo em suas necessidades ao mesmo tempo que busca conformar ele com seus interesses.
Espero estar claro que o corpo é o núcleo da sociedade, o ser que o habita só tem validade social se estiver adequado aos parâmetros determinados para o uso adequado dele. Assim, vale refletir sobre os conceitos de lazer/prazer, visto que não existe lazer fora do corpo e o lazer do corpo está atrelado a busca objetiva do trabalho social. É no interesse da sexta feira (happy your) que o indivíduo se submete há dias e horas de trabalho (sempre coisa do corpo), algumas vezes excruciantes, para com ele poder usar o restante do tempo em coisas agradáveis e prazerosas. Ora, a grande questão é que as definições do que é lazer/prazer para o corpo vem de fora. São em nossos dias determinações capitalistas de possibilidades de lazer/prazer disponíveis socialmente. Um exemplo claro são as tecnologias (tv., celular, games, Netflix) e as mudanças que tem causado nas práticas de lazer/prazer das novas gerações e também das anteriores. O corpo está localizado na sociedade e o interesse do seu proprietário é entre outras coisas um uso eficiente, contudo esse “eficiente” não é uma elaboração pessoal, mas sim uma escolha entre outras de um cardápio variado de possiblidades de “curtição”. O lazer/prazer do corpo está condicionado ao lazer do capital (possibilidade que o mercado econômico oferece em cada sociedade). Ludovico Silva escreveu um livro chamado Mais-Valia Ideológica onde observou que o sistema capitalista continua produzindo mais valor mesmo quando o trabalhador está em sua hora de descanso (happy hour), ao inculcar-lhe vontades e desejos enquanto assiste a novela, jornal, esportes ou enquanto usa seu console de jogos (impressionante como a propaganda está disseminada nos jogos), aplicativos de endereço com suas propagandas ou quando assiste ao futebol (repleto de propagandas dentro do campo, nos jogadores e nas transmissoras). Logo, o lazer/descanso se torna em oportunidade para continuar na cabeça do trabalhador a produção de uma mais valia ideológica que irá aprisionar o trabalhador (aprisionando-o continuamente em novos desejos e vontades) ainda mais em seu trabalho para buscar uma sobrevivência condicionada as novas necessidades. Esse controle social do gozo (termo cunhado por Lacan) é um resultado direto da renúncia que o indivíduo faz em prol da sociedade ao mesmo passo que precisa internalizar e transformar essa renúncia numa forma de satisfação, e nesse sentido a história da civilização é a história da introversão do sacrífico ou segundo Freud a história do homem é a história da sua repressão e da sua renuncia corporal.  
Acredito que não é possível uma libertação do corpo das estruturas sociais que o condicionam, pois, a sua formação como ser é corporal e social, não podendo ser negada sem negar o próprio ser. Precisamos aprimorar nossa consciência do que é o ser e dos processos que o envolvem socialmente, formando-o e condicionando-o. Entender as possibilidades de sua existência social, sabendo determinar o que é realmente necessário para sua formação e o que se torna por ser excessivo e danoso ao próprio corpo e ao ser que o habita. Logo, é mister fazermos essas análises da formação do ser do ser humano e da formação e transformação do seu corpo ao longo das centenas de milhares de anos de existência da espécie homo sapiens. Já que não somos só corpo e que temos no corpo um ser que não é um puro ser, e sim, um ser com múltiplas realidades psíquicas em si, da qual o corpo é o habitat, que são decorrências de processos históricos e progressivos de existência no próprio ser, devemos dar um passo adiante, que é o de encarar as realidades objetivas e subjetivas que formam o ser. Indo muito além das ideias religiosas e cientificas (com seus benefícios e malefícios para com à vida) sobre a vida, o corpo e o mundo e fazendo o que Nietzsche recomendou (sem precisar cair em seus radicalismos), buscando nosso homem além do homem com consciência de suas consciências e das origens e motivações das mesmas para assim obtermos o direito de ser o ser que realmente quer ser, fazendo o uso adequado de seu corpo em consonância com o ser que se determina a si mesmo (na medida do possível) mediante os processos históricos, sociais, religiosos, filosóficos, psíquicos, capitalistas e científicos (ou outros) que delineiam percursos autorizados. O corpo pode ser nossa existência melhor se a nossa existência for integral e integradora dele e de suas pulsões sem se negar ele e as necessidades sociais estabelecidas para seu bem e preservação. O importante mesmo é que pensemos no corpo (tenhamos ele em contas) na hora de viver a vida em suas múltiplas realidades e possibilidades, e, mesmo que não possamos lhe autorizar tudo social e economicamente, podemos o pensar ao menos nos nossos sins e nãos que podemos lhe atribuir.    

domingo, 29 de setembro de 2019

Idealismo das Ideias – Georg Friedrich Hegel


Idealismo das Ideias – Georg Friedrich Hegel

Poderíamos sem dúvida nenhuma falar de epistemologia[1] antes de Kant e epistemologia depois de Kant, pois, o alemão causa uma nova concepção de conhecer e obter conhecimento, e após ele se fala dele, seja para concordar ou discordar, o que não se pode é o ignorar. Suas contribuições são gigantescas. A filosofia ganha novos traços depois de suas postulações epistemológicas. Segundo Kant estamos presos a uma estrutura perceptiva do mundo, o que percebemos do mundo não é o real, mas o resultado das nossas possiblidades de percepção. Essa capacidade de perceber o mundo é universal, todos nós o percebemos assim, mesmo que essa percepção do que é o real não seja mesmo o real, mas como nós percebemos o mundo. Esse seria o ponto de partida dos pensadores idealistas após Kant.
O caminho da filosofia na sequência das ideias de Kant leva a filosofia para as reflexões dos filósofos que iriam trabalhar as percepções de Kant, a favor ou contra, estes fariam parte da escola denominada de Idealismo Alemão. Eles refletem sobre o pensamento de Kant quando diz que não podemos acessar “as coisas como elas são”, mas só podemos ter o fenômeno dela em nós, “como as coisas são para nós”. Nisso surge as teorias idealistas do Realismo e do Idealismo. No primeiro as ideias são produto da interação do homem com a realidade e no segundo as ideias são projeções ideais que a mente faz da realidade. Para se relacionar com o mundo o humano cria categorias ideais que ajudam e servem como referência para ele se guiar no mundo real, por isso ele cria os conceitos de norte-sul, de bonito e feio, de rápido e devagar, e muitas outras categorias a partir das suas relações com o mundo.
O idealismo é uma maneira de explicar que as coisas reais que existem são determinadas por uma ideia universal anterior. Hegel é reconhecido enquanto um idealista, mas não foi ele o primeiro e nem o único a tentar explicar que as ideias são anteriores às coisas, como fez Platão. Segundo suas teorias (Hegel) não existe algo que seja impossível de ser pensado. Não é possível separar o mundo do sujeito, o objeto e o conhecimento, o universal e o particular. Assim, ele afirma que “o real é racional e o racional é real”. Essa racionalidade é para Hegel resultado de um processo dialético que não é exclusivo da racionalidade, pois está presente em todas as realidades que se nos apresentam. A dialética é o processo de transformação e construção do pensamento e de toda a realidade que circunda o sujeito pensante. Toda a realidade poderia ser compreendida por meio da dialética, alcançando a verdade mais universal por meio dela. A dialética mostra como as ideias contraditórias dependem umas das outras e estão em constante atrito, e esses atritos causam novas realidades e pensamentos. Por exemplo, a dialética do senhor e do escravo é um bom exemplo, dado pelo próprio Hegel. Nessa metáfora, primeiro, o senhor, que é uma consciência, submete o escravo a um objeto. Entretanto, para que o senhor continue como senhor, o escravo precisa reconhecê-lo como tal. Assim, o escravo é ao mesmo tempo objeto e também sujeito: o senhor precisa do escravo para ser senhor. Quando o senhor precisa do reconhecimento do escravo, ele acaba se fazendo também objeto. nisto, as posições de senhor e escravo, sujeito e objeto, são trocadas a todo momento entre eles, como em uma luta incessante, por isso, a dialética é fundamentada na tese e na antítese. Na metáfora do senhor e do escravo, a afirmação de um eu (tese) precisa do reconhecimento do outro, de sua própria negação (antítese). Esse atrito entre a tese e a antítese culmina na síntese, a negação da negação, no desenvolvimento da história. A dialética é, assim, a própria forma como as coisas ocorrem, e é também o meio pelo qual podemos alcançar a verdade. O desenvolvimento da história está na superação das contradições. Veja outro exemplo: “ambos os amores individuais deixam de ser atos unilaterais para serem um único ato que é bilateral. Não importa mais quem pergunta e quem responde, pois ambos os amores iniciais perderam o seu eu individual, o eu e o tu, para significar algo novo, os nós”.
Hegel é um representante da escola idealista alemã[2], e com sua metodologia histórica do pensamento filosófico faz é uma leitura histórica do pensamento ou uma história da filosofia, e, nessa leitura histórica do pensamento procura analisar e explicar como o pensamento humano (uma realidade dialética) aconteceu no decorrer da história até chegar no ápice de si, que seria a consciência do seu desenvolvimento histórico e da dialética suprema de si ou o Espirito Absoluto, como Hegel o chamou. O Espírito absoluto é o pensamento que tem consciência da história, consciência de si e consciência do outro. Hegel tem um propósito, direta ou indiretamente, nessa construção epistemológica, pois ele (com esse pensamento absoluto) vai dialogar com as suas teorias do estado, do pensamento e da realidade, que representam a transformação ou construção da realidade ou de uma dialética da realidade que representa a essência da humanidade muito importante para ele.
O Espírito Absoluto é apresentado em três fases: O SER EM SI (o ser tem consciência de sua existência). O SER PARA O OUTRO (o segundo estágio do ser, quando ele perceber o outro a existência do outro como algo análogo à sua própria existência). Assim, teremos como consequência dialética O SER-PARA-SI que é o ser que surge com a consciência de si e do outro. É o ser que volta para si mesmo depois de saber que existe o si mesmo e que existe o outro, e a partir disso busca se adequar se encaixar e se encontrar no mundo. Esse ser é o que ele chama de espírito absoluto, o espírito absoluto ou a consciência absoluta. Que é quando você tem consciência de si e do outro, e de que formou a sua existência no mundo a partir dessas contradições.
A dialética, presente em todas as realidades e possibilidades humanas possíveis, é o processo Hegeliano de construção e entendimento do mundo. A dialética tem três momentos, o primeiro é o "ser em si", o segundo é o "ser outro ou fora de si" e o terceiro é o "retorno a si ou ser em si e para si". Por exemplo, a dialética na realidade é como a “semente”, ela é em si a planta, mas ela deve morrer como semente e, portanto, sair fora de si, a fim de poder se tornar, a planta para si (ou em si e para si)". A construção da realidade e da verdade é um constante processo entre o ser e o não ser. A conceituação, a construção da realidade pela nossa racionalidade, é algo que vem do nada e tem a possibilidade de ir para o ser e para o nada no processo dialético. Ou nas palavras do autor: "o ser e o nada são uma só e mesma coisa". É da relação de oposição de ser (o que é) e o nada (o que não é) que surgem conceitos como identidade, ideias e pensamentos, pois o ser e o nada são realidades transitórias, instantâneas do pensar, sendo necessário (ocultamente) a existência de um para legitimar o outro.
Para finalizar, é importante salientar que a filosofia de Hegel é de uma importância sem tamanho para o pensamento de Karl Marx, pois ele (Marx) irá basear a sua estrutura dialética do pensamento na teoria dialética idealista de Hegel, fazendo para isso uma inversão da mesma. Marx, influenciado por Schopenhauer, faz uma inversão dos pressupostos de Hegel. Exemplo: para Hegel o apagador real é precedido pelo apagador ideal, que é resultado de um processo dialético do ser e que colocará realidades materiais em contraposição para fazê-lo. Já para Karl Marx o apagador ideal é resultado de uma realidade (necessidade) material que produz uma dialética no mundo e nas ideias para concebê-lo e produzi-lo no mundo. Em Marx a ideia é efeito da realidade material que a causa.
Hegel é o ápice da filosofia de Hegel (nele está o ápice da sua filosofia), e como outros teóricos buscou fazer uma epistemologia das ideias.
Veja alguns aforismos que ele formulou:   
- A mente da mulher não é adequada às ciências mais elevadas.
- Quem quer algo de grande deve saber limitar-se.
- Nada de grande é realizado sem Paixão.
- Escolher entre o bem e o mal é fácil, difícil é escolher entre o bem e o bem.
- O Estado é o fim e os cidadãos os meios.
- O que o homem é, é através da educação e da disciplina.
- O povo é a parte do Estado que não sabe o que quer.
- História é caminhar entre as ruínas do passado.
- A contradição é a raiz de todo movimento.
- A filosofia é o mundo ao contrário.
- Independente é o homem que sabe o que o determina.
- Liberdade é a compreensão das necessidades.
- Os grandes homens foram infelizes.
- Pensar e amar são coisas diferentes.
- Algo é em-si na medida em que, a partir do ser-para-outro, ele regressou a si.
- “[…] o negativo é do mesmo modo positivo”



[1] A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do conhecimento, e também é conhecida como teoria do conhecimento e relaciona-se com a metafísica, a lógica e a filosofia da ciência. É uma das principais áreas da filosofia, compreende a possibilidade do conhecimento, ou seja, se é possível o ser humano alcançar o conhecimento total e genuíno, e da origem do conhecimento.
[2] Vale salientar que o termo idealismo alemão ou escola idealista alemã são categorias ideias criadas para representar esse moviemento histórico de pensadores que buscaram entender e explicar o próprio pensar humano.

A Revolução do Sujeito Pensante – Emanuel Kant


A Revolução do Sujeito Pensante – Emanuel Kant

A mente que pensa sobre seus pensamentos é uma mente que dá um passo adiante sobre a mente que não pensa seus pensamentos.

Ser pensante se constitui como aquele que é capaz de enquadrar o mundo e se enquadrar como estando nele, enquanto que aquele que pensa sem pensar que pensa ou sem pensar no que pensa, fica limitado a participar da realidade sem nem mesmo perceber que essa realidade existe, que ela não é única e nem que ela é uma construção humana derivativa do seu processo de perceber e aprender sobre o mundo. Eis aqui a revolução do sujeito de Kant, se antes o saber era realizado por categorias externas ao ser (alma/razão/corpo/sentidos) agora é o ser que realiza os processos de conhecimento se valendo dessas categorias que são intrínsecas a sua própria existência.
É provável que haja muito mais que não conhecemos do que aquilo que já conhecemos. Nosso processo de conhecimento está vinculado as nossas capacidades perceptivas e nossas criações para potencializar essa percepção (telescópio, microscópio) do que é e como é o mundo. Ao definir o mundo, o humano acaba por definir a si mesmo, pois essas descobertas do mundo revelam coisas sobre o humano e sobre o mundo do humano. Diante do debate moderno de onde se originaria o conhecimento Emanuel Kant tira o processo de cogito/alma racionalista e dos sentidos sensoriais dos materialistas, ou seja, o conhecimento não é resultado da intelecção da alma e nem resultado da relação do corpo, mas sim algo mais complexo. O conhecimento é processo de desenvolvimento do sujeito (o que Kant faz é tirar o objeto do conhecimento do centro e coloca em seu lugar o sujeito do conhecimento), é o sujeito que aprende. E assim, tal como Nicolau Copérnico tirou a terra do centro do universo até então desconhecido, Kant tira os processos de conhecimentos (meios de conhecimento) do centro e coloca o humano e suas capacidades a priori e a posteriori como fonte real do saber/conhecer humano. O que chamamos de Revolução Copernicana. O que Kant postula é que não é o pensamento que se adapta as coisas (racionalismo e materialismo) e sim as coisas que se adaptam ao pensamento. É a subjetividade do pensante que configura o objeto, pois, o pensamento se configura e se realiza sempre em um contexto de espaço e tempo (nada pode ser percebido fora dessa configuração espacial e consequentemente temporal). O espaço é uma realidade que se apresenta como imanente e inerente a existência e percepção do humano. O tempo é a outra realidade, ele acontece dentro do homem, na sua interação com o espaço.
Na Crítica da Razão Pura, Kant quer compreender o que realmente se pode conhecer, seja a priori (antes da experiência) e a posteriori (depois da experiência). Assim, o aprendizado se dá de maneira processual, os sentidos captam os dados do mundo e os formata segundo o processo a priori do ser (os configura na estrutura de espaço e no tempo, que são intuições cognitivas presentes na mente que coloca o mundo em estruturas organizativas como em cima, embaixo, antes, depois). Conhecer é, nestes processos, transformar as coisas do mundo em si (percebemos o mundo de maneira semelhante devido a universalidade dos nossos processos a priori). A universalidade do processo de conhecimento nos leva a ter certezas sobre a realidade, certezas que ele chama de juízos (juízo analítico e juízo sintético). O primeiro, juízo analítico, é aquele em que as determinações das coisas estão no sujeito, a determinação do redondo, acima, abaixo, extenso, curto, longo. E o segundo, juízos sintéticos (predicado das coisas, o que elas são), que é a determinação se a mesa redonda ou quadrada é de madeira, que a bola redonda é amarela. Os juízos analíticos são a priori e os juízos sintéticos a posteriori. O postulado de Kant é que as definições do mundo e da experiência do mundo estão contidas a priori na mente e que a experiência do mundo (limitada pelas possibilidades dos sentidos do corpo) é complementação do processo que sem ela não existiria.  Estamos presos a uma estrutura perceptiva do mundo, não que o que percebemos seja o real, mas é a nossa capacidade de perceber o mundo. A capacidade de perceber o mundo é universal, todos percebemos de maneiras semelhantes, por isso é provável que essa percepção não seja a percepção do que o real é, mas é como nós percebemos o mundo real, é provável que não coincida o que nós vemos do mundo com o que o mundo realmente é. Não temos como saber, visto que todos dispomos das mesmas capacidades cognitivas e sensitivas, não podemos sair de nós para dizer o que o mundo é sem nós.
O caminho da filosofia posterior as ideias de Kant levam a filosofia para reflexões que iriam trabalhar as percepções de Kant, a favor ou contra, ela iria refletir sobre o pensamento de Kant, quando diz que não podemos acessar “as coisas como elas são”, mas só podemos ter o fenômeno dela em nós, “como as coisas são para nós”. Nisso surge as teorias idealistas do Realismo e do Idealismo. No primeiro as ideias são produto da interação do homem com a realidade e no segundo as ideias são projeções ideais que a mente faz da realidade. Para se relacionar com o mundo a mente humana cria categorias ideais que ajudam e servem como referência para ela se guiar no mundo real, então o homem cria norte-sul, cria bonito e feio, cria rápido e devagar, e muitas outras categorias a partir das suas relações com o mundo.
Assim, a Crítica da Razão Pura é uma análise do entendimento do conhecimento humano tão pertinente que precisa estar presente em um pensamento filosófico sério, isto é, aqueles que vieram após Kant precisam falar de Kant ou levar em conta Kant. Entender os outros teóricos como Hegel, Fitche, Scheling, Marx, Nietsche, Freud, Foucault e outros, passa a ser obrigatório saber o que é o fenômeno e que é numeno, seja para validar ou para contrariar, ou mesmo fazer um meio termo, seria preciso que os sujeitos pensantes levassem em conta a própria revolução cognitiva que é a epistemologia feito a partir do sujeito do saber.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Linguagem e Pensamento


A Linguagem e o Pensamento

O ato de pensar é tão natural como o ato de respirar, e, normalmente fazemos os dois sem consciência de realiza-los. O que sugiro é que pensar é tão ou mais importante que respirar, pois para se saber que se respira é preciso pensar. Logo, o pensamento é uma constituição natural e primordial ao humano, mesmo que esse pensamento não tenha consciência de estar pensando. O pensamento é um resultado direto, indireto, paradoxal e complexo da existência já inserida no mundo[1] e suas possibilidades de linguagem, no organismo humano e suas possibilidades de percepção e construção do mundo. O que nos leva a linguagem como um emolduramento simbólico do mundo fora de nós e do mundo dentro de nós para expressar para nós mesmos e para os outros. A linguagem é início, meio e fim do processo filosófico. Como no quadro de René Magritte em que desenha com um cachimbo e nomeia a obra como “isto não é um cachimbo”, criando um contraponto linguístico e simbólico com sua obra.    
A linguagem é o instrumento para reconhecimento e conhecimento de um saber/entender/compreender. Logo, é a linguagem que estrutura e formata esse saber. A linguagem (por exemplo a matemática) é em si um construto de saberes e conceitos que se tornam independentes de seus construtores e que também são referências cognitivas para eles. Pois a comunicação (linguagem representativa) de um pensamento me permite ir além dele para através dele fazer novas descobertas sobre ele ou com ele. A imagem de uma borboleta prende a minha representação há uma borboleta singular, mas a palavra borboleta me permite pensar em todas as borboletas de uma vez, ou, representar a borboleta para o que não é borboleta (jogos de linguagem).
A discussão filosófica é de que o pensamento existe mesmo que não haja consciência de pensamento (em um bebê, por exemplo), mas é a linguagem o canal de representação para si e para o mundo desses pensamentos. Como seria possível pensar sem estabelecer signos, símbolos ou imagens sobre o pensamento. Como eu poderia informar para a pessoa a quem amo do meu sentimento sem um instrumento linguístico/representativo que seja perceptível e compreensível por ela. Não posso transferir o sentimento para o ser da pessoa amada, logo a relação entre nós será de busca de demonstração e compreensão linguística (beijo, abraço, carinho, palavras, flores, música) dos sentimentos latentes no meu ser.
A linguagem se estrutura em nossa possibilidade de pensar que se estrutura em nossas possibilidades biológicas e fisiológicas de perceber o mundo. Temos uma estrutura de possibilidades cognitivas (Kant) que delimitam nossa percepção e enquadramento do mundo a partir do qual construímos uma linguagem representativa dele e de nós mesmos. As imagens e representações que elaboramos tem a ver com nossas possibilidades fisiológicas e biológicas de percepção da realidade, tivéssemos nós outros recursos para percepção e construção da realidade, certamente a enquadraríamos de diferentes maneiras. E, isso não fala só da nossa ação de olhar e representar o mundo, mas, também, das ferramentas (que tiramos do mundo) que utilizamos para fazermos isso. Imagina que o ser humano fosse um ser aquático, que vivesse nos mares, por certo teria outras representações linguísticas de compreensão e explicação do mundo. Logo, a linguagem é resultado de uma conjuntura de fatores (mundo, fisiologia, biologia, intelecção) que determinam a construção do pensar e as representações desse pensar.  
É muito válido nos perguntarmos se: “Nós entramos no mundo, ou o mundo entra em nós pela linguagem? ”. Wittgenstein dirá que o que eu tenho não é o mundo, mas a minha captação e compreensão do mundo segundo os meus recursos linguísticos construídos da minha captação do mundo. Fossem os recursos outros, outra seria minha captação e outros seriam meus recursos linguísticos e outro seria o mundo. Não podemos ignorar que a linguagem ganha representações que transcendem a materialidade criadora e ganha autonomia representativa de realidades existentes ou não, que são jogos de linguagem (manga de camisa, manga fruta, manga de zoar alguém ou a mandioca que é mandioca, aipim e macaxera). Para Wittgeinstein precisaríamos sair do mundo (a realidade que o estrutura) para falar sobre ele, pois por estarmos inseridos nele usamos as influências e construções dele sobre nós para falar dele, ou seja, por estarmos condicionados as estruturas dele ficamos limitados há essas estruturas para pensar. O mundo nos dá ou nos possibilita uma linguagem que usamos para falar dele e de nós nele, assim, nossas possibilidades de mundo estão no mundo, seria como querer definir um ovo estando condicionados a realidade do interior do ovo, sem interação ao seu exterior e de outras possibilidades de percepção e linguagem. Logo, o que Witggenstein postula é que a linguagem mesmo que sendo transcendente as nossas possibilidades representativas e linguísticas, ainda é uma linguagem condicionada ao mundo e as nossas possibilidades nesse mesmo mundo. Responderia à pergunta dizendo que nós entramos no mundo, mas é o mundo e suas possibilidades que nos estrutura para perceber e reconhecer a entrada dele e suas estruturas em nós.
Como já fora dito, nós entramos no mundo pela linguagem (fazemos o mundo saber o que há em nós), assim as palavras[2] – signos e símbolos – são ferramentas de representação do que vemos no mundo e como isso é no subjetivo de cada um. Um daltônico vê o mundo de maneira diferente do que a maioria, isso não significa que ele vê errado, e sim que a linguagem e as cores com que ele representa subjetivamente as coisas são diferentes. O daltônico vê o verde/vermelho/marrom, só que ele vê em uma configuração diferente e representa de maneira diferente. Isso nos leva a reflexão de que a experiência do mundo é anterior a representação da experiência do mundo, e que essa representação precisará de uma linguagem que conceitue a experiência para si e para os outros. Imagine que você veja um objeto pela primeira vez na vida (uma pedra, por exemplo) para conhece-lo precisa transportar o que vê para dentro de sua consciência e criar para si uma representação dele em si (quadrado/redondo/sólido/cinza/vermelho/pequeno/grande). Então, o que eu digo sobre uma coisa qualquer, tem a ver menos com ela e muito mais com a representação dela em mim e com a representação dela no meu interlocutor, logo, se não compartilharmos da mesma linguagem ou da mesma percepção, a comunicação poderá não ser possível ou não será exata.
A linguagem não é subjetiva, embora se torne, ela é intersubjetiva, ela apresenta e representa o mundo subjetivamente e depois o transcende. Uma pedra só é uma pedra após ser um fenômeno (de modo sensível) percebido por uma linguagem que a represente para si e que tenha sentido para os outros. Então, a representação do mundo, e, também o entendimento dele, é realizado por meio dos jogos de linguagens, que de modo simples faça o sólido ter o mesmo significado e representação para todos. Wittgensttein descreveu que a linguagem não é só um instrumento de descrição do mundo, pois embora ela seja uma ferramenta, ao ser apropriada intelectivamente, ela ganha significados próprios e autônomos as suas origens e até a transcendendo, como a palavra socorro, que pode ser um pedido de ajuda, um nome ou uma brincadeira de criança. Jogos de linguagem tem relação com o senso comum e as percepções e intuições do indivíduo, da maneira como se relaciona com as coisas e como essas relações estão para além da linguagem e quase que independentemente ganhando uma enormidade de significados possíveis entre os que a utilizam para conhecer, representar e transcender o mundo e a si mesmo.
A linguagem é viva, embora seja um ente no ser, ela se emoldura nas relações entre as pessoas e nas transformações do mundo ao longo do tempo. Um bom exemplo do jogo linguístico seria o jogo de xadrez. Temos as peças de xadrez e as regras de xadrez, são elas coisas físicas (as peças) e metafisicas (as regras), e temos as estratégias do jogo (xadrez, futebol, pôquer) que não estão mensuradas no jogo e em suas regras, pois estas dependem de uma leitura linguística que cada jogador faz das estratégias e modos de jogo do seu oponente. Sendo uma determinante para o a vitória no jogo uma boa leitura das expressões linguísticas (como no pôquer e no truco) do adversário. E, como a linguagem é viva ela está condicionada as relações que irão se estabelecer entre as pessoas com o seu meio e entre si nesse meio. Dizer que a linguagem é viva não pode ser confundido com a ideia de que ela tenha vida própria e autônoma. Ela é viva porque não está engessada no tempo e espaço, e sim, condicionada aos agentes e suas representações do mundo e de si por meio do uso dela.
O papel da filosofia é emitir esse olhar reflexivo sobre todas as nuances da comunicação e dos instrumentos para se realizar essa comunicação. Também é uma reflexão sobre o conhecimento e suas possibilidades de desenvolvimento atrelados aos instrumentos linguísticos/representativos da realidade. Logo, a filosofia é essa investigação continua do pensar humano, seja das suas possibilidades e limitações, seja dos meios e instrumentos utilizados para que ela aconteça. Nós poderíamos dar um passo adiante, subir mais um degrau intelectivo conhecendo e reconhecendo nossos saberes, suas fontes e processos de aprendizagem e quais as nossas possibilidades em nós de progredir cognitivamente para caminhos que nos levem há uma versão de nós mesmos que nos seja mais agradável em nós mesmos ou uma versão de nós mesmos que seja eficiente para nos proporcionar conquistas que achamos necessárias e úteis. E tudo isso é uso do processo de linguagem assimilada e projetada em nós e no mundo para que a nossa existência singular seja de fato feliz[3].        


[1] Veja mais em http://epistemepisteme.blogspot.com/ no texto Olhando o Mundo com um Olhar.
[2] Mas não somente elas, visto que a comunicação é primariamente, e, em muito superior a letras e números que possamos utilizar para a representar.
[3] Ou alguma outra expressão que possamos usar para significar um bem estar, bem viver e ser exitoso.

terça-feira, 30 de julho de 2019

Olhando o mundo com um olhar!


Olhando o mundo com um olhar!

Hanekin chegou no planeta azul e não sabia qual o seu nome, até mesmo o azul era para ele pliks, por isso chamou a terra de planeta Pliks. Aqui, ele encontrou criaturas de fisionomia diferente da sua, eles têm só duas pernas e dois braços e não possuem o poder de se metamorfosear ou de se ocultar no espaço. E foi com esse recurso, de se ocultar, que ele decidiu usar para entender a espécie humana. Acompanhando alguns humanos gigantes ele não entendeu o porquê de alguns comportamentos tão contraproducentes que eles apresentavam. Como destruir as suas únicas fontes de ar e de água, sem as quais eles não poderiam viver. Percebeu que eles se matavam não por sobrevivência ou evolução e sim por diversão, irresponsabilidade e busca de prazer sem limites. Intrigado Hanekin quis entender se isso era natural dessa espécie ou se era algo desenvolvido entre eles no convívio social. Assim decidiu acompanhar crianças recém-nascidas em seu processo de desenvolvimento. Leia o relatório que ele fez:
A criança pliksiana nasce sem habilidade alguma, até mesmo o pensamento é mínimo. Na interação com a realidade a sua volta ela desenvolve códigos e significados. As coisas básicas como comer, se locomover e comunicar precisa ser desenvolvido e ensinado (eles não aprenderiam sozinhos!). Apesar do planeta ser pequeno é impressionante como em cada lugar dele, onde essas crianças são construídas, variam suas falas, comportamentos e hábitos. Falam diferente, eles se vestem! (impressionante como eles tem vergonha de seus corpos) diferentes uns dos outros e comem/bebem/dormem diversicadamente. Para entende-los é preciso olhar o lugar onde estão e os hábitos que seu grupo principal (família) tem, por exemplo, se são de alguma religião ou qual a posse de riqueza que eles têm. Vi que crianças pliksianas que nasceram com pouca riqueza ou de um grupo religioso específico  se comportavam como tal, quando por algum motivo adquiriam mais riquezas ou práticas religiosas diferentes mudavam também seus comportamentos. Assim concluo que essa espécie não possui identidade. Eles são seres sem autenticidade.
Como se lê para Hanekin a espécie humana é uma espécie que não nasce pronta, vai se tornando uma pessoa no decorrer de sua vida, desenvolvendo comportamentos e hábitos no decorrer de sua existência, e, tem esses comportamentos e hábitos atrelados ao lugar especifico onde os mesmos se dão.
Esse é o mote da sociologia, mostrar que o comportamento, pensamento, hábitos e preferências humanos são determinados social e culturalmente, são construções que a sociedade realiza sobre e em cada um nós. Assim, cada pessoa é livre para agir de acordo as expectativas que seu grupo (família, amigos, escola, trabalho) espera, afinal, foram anos de investimento até aqui para adestrar cada um de nós a fazer o que se espera que todos nós façamos.
Nestes termos, nosso primeiro passo nesse campo disciplinar é entender que a sociedade e sua estruturação de hábitos e convivências são construções sociais, ou seja, não são coisas naturais que cada um de nós já “nasce com” e sim coisas não naturais que desenvolvemos na convivência por necessidade de desenvolvimento e de encaixe no mundo de que participamos.
Sendo assim, precisamos estranhar a realidade e entender que ela não é natural, mas antes, construída e naturalizada por nós mesmos, que não temos consciência de que fazemos isso.
Resumindo: somos um construto social, feitos em nossa sociedade e cultura, que se naturaliza erroneamente como resultado biológico herdado dos pais, porém, se há algo herdado nesse processo é a socialização, pelo qual se ensina cada ser a ser um ser como os outros seres.
Olho o mundo com o olhar que aprendi a ter, logo o meu olhar é um olhar condicionado as lentes que preciso usar para enxergar, a sociologia quer me fazer enxergar essas lentes para que possa ver para além delas, mesmo que esteja com elas.

terça-feira, 11 de junho de 2019

Platão e a dicotomia do pensamento filosófico


Platão e a dicotomia do pensamento filosófico
Muito bem pretendentes a filósofos, vamos fazer nossos pensamentos darem um passo adiante da própria inteligência. Falemos de Platão. Como tantos outros da sua época queria dar respostas definitivas sobre os problemas do conhecimento da verdade e da vida.
Seu primeiro momento filosófico era superar ou resinificar as ideias já existentes e consagradas da sua época. Ele tinha por pretensão, entre muitas coisas, superar as ideias de Heráclito sobre à mutabilidade essencial do ser (as coisas são o que são por estarem em mutação, sua identidade está na transformação, como o rio que é rio exatamente porque está em constante mudança e transformação, um rio parado não é um rio, também cada um de nós só é o que é hoje porque deixou de ser o que era ontem). Ele tem também como meta superar as ideias de Parmênides, para qual o ser é imóvel (há uma essência no ser que não pode se transformar porque faria o ser perder sua essência identidade, o rio por mais que tenha águas em movimento tem uma essência identitária para todos que o contemplam e o vem aparentemente como sempre o mesmo). Ele relaciona esses dois conceitos, realidade em transformação com realidade em permanência para construir sua teoria das ideias que é também descrita como mundo sensível e mundo inteligível. 
O mundo inteligível (Parmênides) é o mundo da alma onde as coisas são o que são. Onde as coisas são ideias projetadas na alma e pela alma sendo elas exatamente o que elas são. No mundo inteligível a ideia de cadeira, banana, quiabo corresponde exatamente a ideia que se tem de cadeira banana e quiabo. Não há variação falha ou dúvida. A realidade é uma intelecção conceitual das coisas. Uma ideia ideal que corresponde exatamente a ideia pensada ou obtida. É o mundo perfeito da luz, da verdade, da alma, do divino.
A outra realidade é o  mundo sensível (Heráclito), que é o mundo material, mundo percebido pelo corpo e seus sentidos, mundo que fica condicionado aos sentidos e suas possiblidades de conhecer a realidade. Como a realidade está sempre mudando, qualquer coisa material deixada por si se transformará, e o corpo que a percebe também está mudando em si e em sua capacidade de percepção, também a cadeira, banana ou quiabo são a percepção que se tem deles e não eles neles mesmos. Sua existência material não consegue corresponder às ideias que se pode ter dos mesmos. O mundo sensível é o mundo dos sentidos e suas possiblidades. O mundo humano das sombras (por ser uma sombra do real) da relatividade das verdades do corpo e suas limitações. 
Assim, sair da caverna (ser livre e ser filósofo) é trocar uma existência pautada pelos sentidos (corpo) por uma vida pautada pelo mundo inteligível (alma) e suas ilimitadas possibilidades de construção de saber e transformação do mundo. Trazendo para o provisório a eternidade das verdades existentes na perfectibilidade existente na alma de todo ser, ao que Sócrates chamou de maiêutica. Tornando a vida uma constante existência na essência do próprio ser (alma) enquanto esse ser é transformado (sensível) em sua materialidade, tal qual o rio que não para de correr e nunca é o mesmo, mas que tem uma essência de rio que sempre que o vemos o contemplamos como o mesmo.
Platão fará desse conceito seu norte intelectivo e ele será o conceito que usará para construir sua filosofia, por meio do personagem Sócrates, que refletirá sobre as principais questões filosóficas e humanas de seu tempo.
A Ética, a política, a religião, o trabalho e a própria existência humana serão refletidos a partir desse viés filosófico dicotômico.

terça-feira, 23 de abril de 2019

Fenomenologia - entre o Ser e o Ente


Fenomenologia - entre o Ente e o Ser

No desenvolver do pensamento filosófico humano buscou se novos campos de atuação para o mesmo em que a sua determinação não estivesse determinada a priori do próprio pensar. Aqui está o lugar da fenomenologia, pensar o pensar como resultado do ato pensante enquanto pensa. O ato fenomenológico é questionar o pensar pautado nas experiências, visto que as experiências incluem fenômenos dos quais o indivíduo é apenas vagamente consciente de ações inconscientes que não requerem qualquer pensamento consciente, pois mesmo quando se pensa a experiência há atos pensantes experimentados que não entram, ou não se percebem estando presentes na experiência do pensar. Para isso, a fenomenologia sugere que o pensar deve estar além ou aquém da experiência, visto que a experiência já é resultado de um pensar que a precede. Todas estas coisas se combinam para criar a riqueza da experiência percebida, e os pensamentos dela decorrente, e devem ser analisadas em conjunto em qualquer discussão filosófica da experiência.
É nessa lacuna entre o ser pensante e o ato pensante que Edmund Husserl posiciona seu método filosófico nomeado de fenomenologia. Que foi desenvolvida e analisada no seu tempo, e ainda continua a ser contemporaneamente,  por filósofos como Martin Heiddeger, Meleau Ponty e Jean Paul Sartre. Desde o tempo em que foi apresentado o termo fenomenologia é uma maneira de pensar que procura tanto evitar as ilusões quanto driblar a superficialidade da metafísica em relação à compreensão do saber pelos sentidos. Desta forma, ao propor seu conceito de fenomenologia, Edmund Husserl o apresenta como um contraponto à crise das ciências modernas, o naturalismo e o psicologismo, que desejava ser a base de todas as ciências humanas. A fenomenologia husserliana difere das constituídas por Kant e Hegel, de modo estrutural, isto é, no que diz respeito à própria questão do ser ou em relação a uma teoria do ser absoluto ou da ontologia. O método fenomenológico husserliano apresenta a fenomenologia como uma filosofia de rigor que propõe a observação e descrição prévias do fenômeno, sem que aquele para o qual o fenômeno se mostra esteja imerso em seus pré-juízos e pré-conceitos. Se compararmos Husserl a Kant e a Hegel, poderemos notar que, com respeito ao problema ontológico, sua tentativa representa algo como uma terceira via: enquanto a fenomenologia de tipo kantiana concebe o ser como o que limita a percepção do fenômeno ao mesmo tempo em que ele próprio permanece fora de alcance, enquanto inversamente, na fenomenologia hegeliana, o fenômeno é reabsorvido num conhecimento sistemático do ser, já a fenomenologia husserliana se propõe como fazendo ela própria, as vezes, de ontologia pois, segundo Husserl, o sentido do ser e o fenômeno não podem ser dissociados.
Com efeito, o esforço filosófico de Husserl, em seu espírito, destinou-se a resolver, simultaneamente, uma crise das ciências do homem e uma crise das ciências simplesmente, da qual ainda não escapamos.”[/i] (Merleau-Ponty, 1973.:1)
De acordo com a fenomenologia, o mundo e a realidade são fenômenos que possibilitam perceber o ser e o não ser, o ente. A fenomenologia estuda o que acontece, ou aquilo que acontece com ou sem a percepção do ser de que estão acontecendo. A percepção do fenômeno está condicionada à sua sensorialidade, que são as ferramentas que se dispõem para perceber o fenômeno e assim determiná-lo em si e para si, e aquém de si. Esta consciência é sempre consciência de algo, mesmo quando seja de si mesma. Logo, ao se mostrar para uma consciência, o fenômeno se revela para uma consciência (ser) dela mesma (ente), ou seja, uma consciência de um fenômeno é uma consciência no ser da sua existência no ser como algo fora do ser, percebido por ele e existente nele. Assim temos o ser e o ente:
O ser está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado, no ser-aí (Heiddeger), na existência conscienciosa de si como distinta dos entes.
O ente é, por sua vez, tudo de que falamos, tudo que entendemos, o como nos comportamos dessa ou daquela maneira. O ente é o como ou porque do que somos. Para Edmund Husserl a consciência é consciência de algo antes de ser consciência de si mesmo, assim ela é plástica, remodelável, não exata, mas de ilimitadas possibilidades.  
Aqui surge o “Daisen” de Martin Heddeiger, que significa o “ser ai”. O ser como prontificado em ser por ter consciência do ente e de sua existência distinta do ente, mas sempre condicionada a ele, ou como derivada da existência e percepção dele. Pois na lógica fenomenológica “não há ente se não houver o ser” e vice-versa. O ser já está no mundo quando percebe o ser que é como necessário para se conceber como ser e o ente como distinto e extensivo de seu ser.
A fenomenologia é essa busca mesma de explicitar, explicar e entender os fenômenos, contudo há uma implicação direta nesse processo, pois há um olhar para a experiência e esse olhar não pode ser nulo ou neutro, já que a estrutura central de uma experiência é a sua intencionalidade, a forma como é dirigida na busca de significado em direção a um determinado objeto no mundo. É preciso então, realizar o que Husserl denominou de Epoché, que é a suspensão dos juízos das coisas, para criar a possibilidade de desvelar dela o ainda não desvelado. Epoché é por o mundo entre parênteses para poder olhá-lo com um olhar virginal em busca de desvelamentos virginais sobre as coisas mesmas. Ato impossível em Kant, visto que o olhar a priori já está condicionada a determinadas estruturas que condicionam o próprio olhar.
Temos assim, na fenomenologia que o ente é resultado da ação do ser em busca de algo. Temos então que o conhecimento é um ato intencional e o conhecimento direcionado para entendimento do fenômeno faz dele uma coisa intencionada, não o que ela é ou o que dela se descobre, mas a descoberta mesma, o seu desvelamento (seja lá o que seja) é resultado de uma busca de análise do fenômeno. Importante lembrar que contemplar o fenômeno não é o mesmo que contemplar o numeno (essência da coisa). Quando verifico o fenômeno Antonielson não tenho no fenômeno (ver, tocar, cheirar, ouvir) a essência de Antonielson, o que ele é. Tenho a aparição, a apresentação, o desvelamento de algo que não sabia, mas já existia, e sua essência está em algo mais profundo e mais complexo que a sua observação fenomenológica. 
Ainda para estendermos os conceitos um pouco mais, essa consciência intencionalizada que tenho dos fenômenos adquire uma temporalidade. Ouvir um som hoje (um fenômeno) cria em uma consciência do século XXI uma representação bem diferente da que criava em consciências do século XII, visto que a aparição do som (o que ele é e como é) se dava de diferente maneira naquela época. O tempo faz as coisas ganharam diferentes significações, pois ela tendem a serem desveladas, mais e melhor entendidas, com o passar do tempo. Também a temporalidade cria novas buscas e intencionalidades sobre as consciências com o passar. Ter 16 anos em 1979 era ter consciência de mundo e fazer projeções bem diferentes das que você leitor (a) faz hoje.
Por finalidade textual, é preciso dizer que temos com a fenomenologia as discussões: 
1. Não temos o fenômeno, temos nossa possibilidade de perceber o fenômeno, logo o que temos é o fenômeno ou nosso olhar sobre o fenômeno? Logo é possível reposicionar muitas coisas presentes em nosso cotidiano e em nossas particularidades, tais como amor, fome de algo, dependência tecnológica (celular) e outros. Já que as coisas não são o que elas são já que o que elas são é o que é para nós. Como nos aparece. O fenômeno fome de McDonald's não é fome de McDonald's propriamente, e sim uma percepção que tenho sobre a necessidade alimentar do meu corpo e de um alimento específico (hambúrguer) que me está acessível. 
2. Na fenomenologia a identidade deveria ser pensada como transitória numa realidade fenomenológica e transitória. Contudo, apesar da fundamentação do ente e do ser na fenomenologia o ser mantém uma fundamentação transcendente e não transitória da própria identidade. Os fenômenos são contínuos sobre o ser, mas o ser mantém, sem intenção, uma continuidade de si, uma essência de si para si e para os outros.  
3. A fenomenologia enraizada na existência, determinada pelo ser que a realiza, é possível porque nada do que somos e fazemos pode prescindir dos atos perceptivos que temos. A consciência é composta por um agregado de impressões sensoriais, que a antecedem, a realizam e derivam dela, logo o processo fenomenológico é cognitivo, psíquico e fisiológico (Merleau Ponty). Aqui, temos na fenomenologia uma possibilidade de revisar as noções de consciência e sensação como coisas únicas ou como coisas separadas, mas nunca como coisas indissociáveis para acontecer.